Astor Piazzolla faria (faz) amanhã 100 anos. A sua história de vida, a sua história musical, são lições sobre como a transformação da lagarta em borboleta não é um processo sem dores, mesmo que seja feito com o maior refinamento e cuidado. Quando se fala em Piazzolla, o mais fácil é lembrarmo-nos de ‘Libertango’ ou de ‘Adiós Noniño’. Mas eu lembro-me, antes de qualquer outra peça, de ‘Oblivion’. Daquela melodia que, pouco a pouco, vai ganhando profundidade. Que se vai espalhando, como água. Ganhando espaço. Como a saudade. ‘Oblivion’ é a palavra que os argentinos têm que fica mais próxima da nossa saudade. Essa saudade que, a espaços, faz rodar as rodas dentadas dos sentimentos. À medida que a música flui, é como se a respiração fizesse, aos poucos, rodar a saudade, percorrendo o corpo. Distendendo e comprimindo. Até passar a fazer parte de nós. Depois, vem o sorriso da lembrança. Uma a uma, as imagens que vão saindo da memória para quase se tornarem reais. E vermos que tudo isto faz parte. De nós.