Há algum tempo, em conversa com um amigo jornalista que tem feito algumas visitas a Arouca, maioritariamente para nos brindar com as verdadeiras obras de arte que são os seus relatos de futebol, dizia-me que do que mais gostava em Arouca era do caminho. Primeiro, pensei que não tinha percebido bem. Depois, pensei que se tratava de algum tipo de ironia. Mas, à terceira, vendo a sinceridade estampada na sua argumentação, percebi que tinha dito exactamente o que queria dizer.
Quando se vem a Arouca à descoberta, de espírito aberto, com vontade de se ser surpreendido pelo mais pequeno pormenor (e podem ser muitos, bem o sabemos), é possível que assim seja, que até o caminho possa ser encantador. Alexandre Herculano já o dizia, e até Saramago, vindo de Oliveira de Azeméis, em dia de chuva torrencial, não quis deixar os pormenores do percurso fora da descrição. Mas quando precisamos de chegar depressa a algum local, numa emergência ou para tratarmos de algum assunto num qualquer organismo do Estado, verificamos que talvez não estejamos assim tão perto como possa parecer, e o encanto deixa de fazer tanto sentido.
Este é o dilema em que andamos. Há uma base lógica de enquadramento que é a de continuarmos a ter apenas um troço, que nos dá a ilusão de podermos chegar mais rapidamente ao destino. A partir daqui, e porque nos foram, sucessivamente, mentindo, o que temos é uma dúvida, baseada numa quase certeza de que não vamos ter mais nada. Se tivermos mais qualquer coisa, será bom. Podem os que nos visitam chegar mais rapidamente cá, e podemos nós mais rapidamente sair e voltar. Se não tivermos mais nada, resta-nos continuar a vender a ideia que vivemos num pequeno refúgio, e que a dificuldade de acesso faz parte dessa magia.
A questão que nos devemos colocar é: o que vamos fazer em qualquer dos casos? Podemos aguardar a deferência do Estado em corrigir um erro crasso e fazer justiça. Podemos tentar embarcar numa espécie de gritaria que, rapidamente, se descontrola. Ou podemos, também, não fazer nada. Mas convém pensarmos. Estarmos preparados. Se realmente gostamos da nossa terra, o que podemos (e devemos) fazer é alargar a escala do pensamento, e incluir o futuro na equação. Com estrada ou sem ela, ou apenas com uma parte dela, Arouca vai continuar a existir. Vai continuar a ter um passado para honrar, um presente para viver e um futuro para projectar. Não contar com todos os cenários possíveis, pode resultar num imobilismo mórbido. Numa estagnação. Num rumo difuso, ou mesmo na ausência de um rumo, à espera de um qualquer «Encoberto».
«Ser ou não ser, essa é a questão: será mais nobre suportar na mente as flechadas da trágica fortuna, ou tomar armas contra um mar de obstáculos e, enfrentando-os, vencer?». Em «Hamlet», de Shakespeare, é assim que diz. Vale a pena pensar nisso.