Longe vão os tempos em que alguns domingos à tarde eram passados entre o aspecto térreo e agreste do Campo Afonso Pinto Magalhães, a fazer figas para festejar golos do FC Arouca, e o ouvido colado ao rádio, à espera de saber os resultados, de preferência com vitória do Benfica. No domingo passado, foi como se um tornado tivesse feito levantar estes dois quadros, distanciados no tempo por quase 30 anos, e os tivesse juntado no novo Estádio Municipal. O Benfica veio jogar com o FC Arouca, e isso era algo que, nas contas simples da escola primária, não tinha parcela possível.
O futebol, embora hoje com menos magia do que naquela altura, tem destas coisas. É-se do Benfica ou do Porto por razões que a razão desconhece, e o FC Arouca, apesar de vir baralhar as contas afectivas, não consegue tomar de assalto um coração empedernido por anos de glórias e sofrimentos inexplicáveis. Às vezes parece que não é bem verdade, que vamos acordar a qualquer hora de um sonho qualquer. Mas não, o FC Arouca já está há duas épocas na Primeira Liga, e o caso está a ficar cada vez mais sério.
A visita de um clube grande, ainda para mais o Benfica, num domingo à tarde, a fazer lembrar esses tempos de jogos ao sol, a meio da tarde, faz parar o mundo em qualquer lugar. Muitos não demoraram a dizer que parecia que a Feira das Colheitas tinha sido antecipada (se bem que uma Feira das Colheitas nunca poderia ser monocromática). E sim, houve momentos em que pareceu, apesar de haver momentos em que não pareceu tanto. Não há rosas sem espinhos, nem maçãs sem caroços. No meio de muita gente, há sempre muita gente boa, mas também alguma gente má. No que toca a gente má, felizmente a nossa (muita) gente boa conseguiu ser-lhes superior, e também por isso «foi bonita a festa».
Depois, nas bancadas, as emoções. Misturadas, como é normal nestes casos. Quem não tiver pecado que atire a primeira pedra, apesar de haver sempre excepções. Não vale a pena pensar nos golos festejados ou por festejar. Nas pressões laterais de quem tem mais poder de influência ou mais experiência nestas lides. Para a história vai ficar sempre um FC Arouca/Benfica, e em que o FC Arouca, ainda por cima, marcou primeiro (ao Sporting, no jogo de estreia na Primeira Liga, já tinha acontecido o mesmo).
Estamos entre os grandes. Soubemos ser grandes. Agora, há que, no dia a dia, continuarmos a ser o que sempre fomos. O que nos caracteriza. Nobres de carácter, mas humildes de postura. Não querermos ser daqui, mas parecer que temos a raiz noutro sítio, ou em sítio nenhum. É difícil. Às vezes impossível. Mas não se marcam golos sem remates. Estes, é como se fossem de fora da área. São mais complicados. Mas quando entram, dão golos de bandeira. É este o verdadeiro desafio do FC Arouca.