Não. O «encalhamento», aqui, não tem absolutamente nada a ver com a data, com a «febre» amorosa que povoa o 14 de Fevereiro, com o ridículo das cartas de amor a resvalar para algo «kitsh», ou coisa parecida. Tem, antes, a ver com o colocarmo-nos uma posição de fronteira, essa, que não é a de estarmos nem de um lado, nem do outro do problema, e olharmos para ele com 360 graus de visão.
Assim, se olharmos para o lado no tempo, vemos uma geração quase (à) rasca. Desmotivada. Desinteressada. Quase amorfa. Passiva. Quase vazia. Inerte, talvez por ter tudo demasiado à mão. Tão à mão, que deixa de ter interesse ou ser necessário. Depois, aqui, na fronteira, estamos nós. A esbracejar por uma oportunidade. A amontoar cartas de apresentação e cópias do Curriculum Vitae que se traduzirão no mais profundo silêncio. Com um canudo absolutamente inútil na mão. Condicionados na competição à escala europeia e até mundial, porque nem todos somos António Damásios ou Manueis Sobrinhos Simões. A lutar por estarmos aptos para fazermos várias coisas, não necessariamente todas bem feitas, mas que garantam, pelo menos, a emissão de uns quantos recibos verdes, que permitam ao Estado cobrar-nos, pelo facto de trabalharmos, mais do que ganhamos. E, depois, mais ali ao lado, temos o futuro. Esse futuro completamente incerto. Nebuloso. Sem reforma. Sem Estado. Sem subsídio de desemprego ou outro qualquer. É mais ou menos nesta fronteira em que estamos. Encalhados. Como o país, de resto. Entre a visão cosmopolita e arrojada dos que se aventuraram a desbravar mares nunca antes navegados e terras nunca antes calcorreadas, e uma mão cheia de nada senão uns restos de areia, fugindo por entre os dedos, como o tempo contado numa ampulheta.
À medida que caminhamos por esta linha ténue de fronteira, não é o futuro, nem o mundo, nem tão pouco o nosso próprio projecto de vida que conseguimos agarrar. Só essa areia do caminho, que se vai contabilizando em segundos, minutos, horas, dias e anos. Não vivemos, sobrevivemos. Esforçamo-nos por estar à tona de uma espécie de redução do inferno imaginado (vivido?) por Dante.
É como se tivéssemos acabado de chegar ao mar das tormentas e tivéssemos, cada um de nós, de decidir que rumo tomar. Seguir em frente, e enfrentar o Adamastor (mesmo não sabendo muito bem como), ou voltar para terra firme. Mas com a certeza de termos de optar por uma ou outra opção. Instintiva ou ponderadamente. Porque, em caso de indecisão prolongada, talvez não haja encalhamento que nos salve nesta linha de fronteira. E naufragar, nos dias que correm, significa deixar de existir.