É nestas alturas que me invade uma certa tristeza por não saber falar alemão. A gravação já tem 10 anos, e a música séculos, mas é uma obra tão monumental, que tem de ser percebida no seu todo. Bach construiu algumas catedrais, duas delas as Paixões. Hoje, deixei-me invadir e levar até ao infinito pela Paixão segundo São Mateus. Que música fabulosa. Que equilíbrio. Que tudo. Não há nada que não esteja lá. Tudo na proporção necessária, no tempo necessário, no momento oportuno. Nesta performance da Orquestra Filarmónica de Berlim, o que há de novo é a ‘ritualização’ ou encenação da obra, magnificamente pensada por Peter Sellars. Apesar da sobriedade de uma versão de concerto, a intensidade dramática está toda lá, com o narrador a viver e a sentir o que Cristo terá vivido e sentido nos momentos que antecederam a sua morte. Tudo, resulta num concerto lindíssimo, que nos faz lembrar, nestes tempos de quarentena e de Quaresma, a caminhada que temos de fazer para a redenção, para o cimo da montanha, para a passagem da morte à vida. Por tudo o que lá está, por tudo o que não está, e pela imensa grandeza desta música, o dia está ganho.