Em miúdo, tinha um fascínio tremendo pelos autocarros de dois andares. Talvez pelo misticismo icónico dos veículos londrinos, ou pelo facto de podemos apreciar a paisagem a partir de um ponto mais alto em movimento. A idas ao Porto eram motivo de uma observação atenta da movimentação dos autocarros de dois andares, uma observação desejosa de entrar, e de viajar pela cidade, sem destino. Na realidade, nunca consegui viajar numa coisa destas. Fiquei-me pelas deslocações de ‘trólei’, aqueles outros que tinham umas anteninhas, e que travavam sempre a fundo antes das paragens, sacudindo toda a gente que ia lá dentro, como se fosse uma garrafa de iogurte líquido. Quando passei a ser mais portuense, os autocarros dos STCP já não tinham dois andares. Alguns, ainda eram laranja, da Volvo, mas a maioria já eram Mercedes, o que era, para nós, um privilégio. Andávamos de Mercedes para todo o lado. Hoje, posso ir de Mercedes para todo o lado, mas, não sei porquê, deu-me para ter saudades dos autocarros laranja. Sobretudo, os de dois andares.