Numa altura de fortíssimas convulsões e incertezas na Catalunha, Daniel Innerarity tem sido frequentemente convidado a comentar e ajudar a enquadrar a situação actual, à luz da Política. A reflexão que tem vindo a fazer sobre a realidade política actual, da grande política, entenda-se, é muito interessante. Nunca como hoje a perplexidade foi tão comum, tão recorrente. Vivemos muito tempo baseados na estabilidade, na previsibilidade, na análise a médio prazo com francas possibilidades de acerto. Hoje, a indignação é mais fácil, a convulsão mais organizada e prática comum, a manifestação com repercussões globais. Mais facilmente distinguimos quem ganha e quem perde, quem é bom e quem é mau, quem manda e quem obedece. Ao mesmo tempo que tudo isto é claro, mais difusa e generalizada se torna a decepção com o estado a que chegou a democracia. E esta incerteza, esta decepção, projecta-se na análise (im)possível do futuro. Ao mesmo tempo, os corações vão-se esvaziando de ideias e de sonhos, de esperança e de vontade de construir, de justiça e solidariedade. Dá que pensar.
Pensemos em três assuntos de natureza muito difícil de determinar, mas que alguns manipulam sem o mínimo indício de hesitação: o povo, os especialistas e a identidade. É cada vez mais complexo identificar o que o povo realmente quer, questiona-se mais a autoridade dos especialistas e temos uma identidade, digamos assim, menos inequívoca. Mas nada disto impede que se multipliquem os apelos para que se ultrapassem os nossos debates com algum procedimento que acabe com todas as dúvidas sobre qual é a vontade popular, os especialistas impõem as suas receitas económicas com uma determinação que parece desconhecer os seus fracassos recentes e restabelece-se a divisória entre nós e eles com uma clareza meridiana. (…)
Hoje em dia, entender o que se passa é uma tarefa mais revolucionária do que agitarmo-nos improdutivamente, equivocarmo-nos na crítica ou termos expectativas pouco razoáveis. A política não pode continuar a ser aquilo que Grouxo Marx afirmava: a arte de fazer um diagnóstico incorrecto e depois aplicar os remédios errados. Uma nova cultura política devia começar por desmontar as más análises, desmascarando aqueles que prometem o que não podem proporcionar, protegendo-nos tanto daqueles que não sabem nada como daqueles para quem tudo é claro. Nunca o conhecimento, a reflexão, a orientação e o critério foram mais libertadores.
Daniel Innerarity – ‘Política para perplexos’