‘Tu és a poesia’. Foi o que o Papa Francisco disse, hoje, ao novo cardeal português, D. José Tolentino de Mendonça. A resposta, um tanto metafórica, esteve à altura da pergunta (provocatória) que D. Tolentino fez ao Papa: ‘Santo Padre, o que é que me fez?’ De facto, o que o Papa fez foi ‘ser coerente’. Construir pontes e ir às periferias significa também ir até junto da cultura, das artes, da literatura, da poesia. E se há alguém que, em Portugal, é reconhecido por crentes e não crentes, cultos e menos cultos, gente das artes e da política, da cultura e dos media, em suma, por gente de todos os quadrantes, é o Cardeal D. Tolentino. É, portanto, com redobrada vontade que regresso às palavras do padre poeta. Às palavras, cuidadas, esculpidas, moldadas, sabia e cuidadosamente alinhadas. Como se Deus ali estivesse, ou, de propósito, não quisesse estar, deixando toda a humanidade em cada letra, para que sirva de molde a outras metáforas, outros sonhos, outras formas de ser e de estar.
O MISTÉRIO ESTÁ TODO NA INFÂNCIA
E, por fim, Deus regressa
José Tolentino de Mendonça – “A noite abre meus olhos”
carregado de intimidade e de imprevisto
já olhado de cima pelos séculos
humilde medida de um oral silêncio
que pensámos destinado a perder
Eis que Deus sobe a escada íngreme
mil vezes por nós repetida
e se detém à espera sem nenhuma impaciência
com a brandura de um cordeiro doente
Qual de nós dois é a sombra do outro?
Mesmo se piedade alguma conservar os mapas
desceremos quase a seguir
desmedidos e vazios
como o tronco de uma árvore
O mistério está todo na infância:
é preciso que o homem siga
o que há de mais luminoso
à maneira da criança futura