Às vezes dizem-nos que isto de sermos um país que não se governa é uma coisa endémica, mas temos dificuldade em acreditar. O que é certo é que as provas se acumulam, e é pouco provável que todas estejam erradas. Os romanos diziam isso. E agora, quando começo a descobrir alguns dos grandes discursos do século XX, feitos em Portugal, descubro de imediato uma conjugação de palavras que parece ter sido feita ontem. Mas não. É verdade que, quando preparamos um discurso, procuramos que ele se torne, de alguma forma, marcante. Único. De modo a que as palavras envolvam quem ouve. Sincero. Profundo. Irrepetível. Serão estas pelo menos algumas das características que alguns dos grandes discursos terão. Ora, a 2 de Janeiro de 1901, o rei D. Carlos fez um discurso de abertura do período legislativo apelando a que se ponderassem as despesas e se pensasse seriamente no equilíbrio das finanças do Estado. Mais de cem anos depois, bem que podia dizê-lo de novo, que talvez não valesse (igualmente) de nada.
“Mas o desequilíbrio do orçamento, e ainda mais o das contas de exercício, o ónus que do ágio do ouro advém para os pagamentos a realizar ao estrangeiro, a soma a que se elevou a dívida flutuante por déficits sucessivos, o limite já atingido pela circulação fiduciária, – circunstâncias são estas que reflectidamente tereis de ponderar, a fim de, com patriótico esforço e acuradas providências, se assegurar melhoria real à situação da Fazenda.
Não assumir compromissos, nem autorizar despesas, que os recursos do Tesouro não possam comportar; colher das receitas do Estado o seu maior produto, simplificando os processos de lançamento, e restringindo ao indispensável o que a sua cobrança e fiscalização reclama; aproveitar, valorizar, o incremento das forças produtivas do país; proteger, facilitar, por um lado, o que à iniciativa individual pertence na exploração agrícola, nos empreendimentos da indústria, nas operações de comércio, e, por outro lado, regrar a administração para que seja parcimoniosa e útil, cortando por serviços a que não corresponda um proveito eficaz; persistir, com deliberado intento, no nivelamento das receitas e despesas, evitando a acumulação de deficits, que tanto depauperam o Tesouro e afectam o crédito nacional – são normas que superiormente se impõem à acção dos poderes públicos.”
(D. Carlos I, rei de Portugal, 2 de Janeiro de 1901, “Discurso da Coroa – Abertura da época legislativa”)