Pensamos, a maioria das vezes, como uma espécie de obsessão pela verdade. Pensamos, outras vezes, para dar excessiva razão aos outros. Pensamos como uma forma de vermos bem onde pomos os pés ao caminhar. Pensamos, e fechamo-nos numa gaiola de razão, quando a vida está lá fora, em liberdade, e muita coisa passa por entre as grades, enquanto a razão está lá dentro, fechada. Depois, há o verbo escrever. É curioso que Vergílio Ferreira tenha reunido alguns dos seus mais brilhantes textos (pensamentos) em dois volumes, com os títulos «Pensar» e «Escrever». Escrever é automático. Como se fosse pensar e escrever ao mesmo tempo. Como se fosse falar. Como se fosse a melhor forma de encontrar e arrumar as melhores palavras para se dizer o que se quer. Saborear cada letra, cada palavra, cada frase. Porquê? Como? Para se ser inteiro, pleno. De forma natural. Como respirar. Porque sim.
«Escrever. Porque escrevo? Escrevo para criar um espaço habitável da minha necessidade, do que me oprime, do que é difícil e excessivo. Escrevo porque o encantamento e a maravilha são verdade e a sua sedução é mais forte do que eu. Escrevo porque o erro, a degradação e a injustiça não devem ter razão. Escrevo para tornar possível a realidade e os lugares, tempos, pessoas que esperam que a minha escrita os desperte do seu modo confuso de serem. E para evocar e fixar o percurso que realizei, as terras, as gentes e tudo o que vivi e que só na escrita eu posso reconhecer, por nela recuperarem a sua essencialidade, a sua verdade emotiva, que é a primeira e a última que nos liga ao mundo. Escrevo para tornar visível o mistério das coisas. Escrevo para ser. Escrevo sem razão.»
(Vergilio Ferreira, «Pensar»)