27 de Agosto de 2011 – «Sons da Água», Cantata Cénica «D. Garcia» na Paradinha

«Dom Garcia: Cantata Cénica» foi composta por Joly Braga Santos em 1971, sobre textos de Natália Correia, tendo sido estreada no mesmo ano, no Festival de Vilar de Mouros. A obra, imponente na sua concepção, tem o condão de aliar dois vultos maiores da cultura em Portugal. Joly Braga Santos, figura incontornável da nossa música erudita, compositor de seis sinfonias e de uma vasta e inteligentíssima obra, em que colhe inspiração em elementos estruturantes da nossa cultura. E Natália Correia, acérrima defensora da cultura portuguesa, defensora dos direitos das mulheres e dos direitos humanos, mulher das letras e personalidade política de raro relevo na cena cultural e social.

A concepção de «Dom Garcia» aproxima-se do que Wagner entendia por «gesamtkunstwerk» («obra de arte total»), uma conjugação entre música, canto, arte dramática e bailado, neste caso concreto com a recuperação de uma ocorrência histórica, de cujos testemunhos são escassos, e a que a memória e a tradição oral popular foram conferindo um carácter romanesco. Natália Correia conta-nos, à sua maneira, a história de Dom Garcia, um dos filhos do rei Dom Fernando I de Castela, que, durante a segunda metade do século XI, divide o seu reino pelos herdeiros, cabendo a Dom Garcia os territórios de Portugal e terras a sul. O «reinado» de Dom Garcia não podia ter sido mais efémero e desastroso, tendo sido feito prisioneiro durante 17 anos, no castelo de Luna, onde terá morrido. Joly Braga Santos terá procurado inspiração nas famosas «Cantigas de Santa Maria», de Afonso X, o sábio, bem como no espírito musical trovadoresco daqueles tempos, nas terras ibéricas. O resultado é uma obra única, surpreendente até, de interpretação por vezes difícil. Complexa, ainda, pela sua concepção ainda recente, e de acordo com tendências estéticas que, ainda hoje, vemos serem amplamente exploradas.

De referir que a estreia da obra foi protagonizada pela Banda da Guarda Nacional Republicana, dirigida pelo maestro capitão Silva Dionísio (a quem o compositor dedica a obra), e, para além dos músicos, dos solistas, dos narradores e do coro, contou, ainda, com a participação de um grupo de bailarinos, cuja concepção da coreografia foi acompanhada pelo próprio Joly Braga Santos.

Apesar da (ainda) complexidade da interpretação desta obra, Dom Garcia não deixa de ser uma página notável da música portuguesa, que Arouca tem o privilégio de acolher, naquela que será (apenas) a quarta execução em público.

Texto escrito como nota de programa para o concerto «Sons da Água». Hoje, os meus queridos amigos do Orfeão de Arouca juntam-se ao Grupo Coral de Urrô, ao Grupo Cultural e Recreativo de Rossas, à Banda Sinfónica Portuguesa e aos solistas Cláudia Pereira Pinto, Carlos Guilherme, Magda Brandão e Sandra Magalhães, sob a direcção de António Costa, para a apresentação desta obra. Infelizmente, estarei ausente, mas com um ouvido na Aldeia da Paradinha.

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