O poder central deu conta, tarde de mais, que o país estava a ir ao fundo, numa «terra de ninguém», esquecida de tudo e de todos. O país ia, lentamente, ao fundo em Entre-os-Rios, sem saber porquê nem por causa de quem, sofrendo a pior dor que se pode sofrer, depois de se ter sofrido o esquecimento. Sem saber, o destino estava a proporcionar-nos um retrato antecipado de Portugal. Antecipado 10 anos. Na altura, não se regateou nos recursos, para tentar compensar com betão, dinheiro e promessas uma dor que não se apaga e vidas que não se pagam. Dez anos depois, não há uma mas duas pontes, mas os caminhos continuam a levar a lado nenhum. É, talvez, mais fácil, mais cómodo, mais rápido apanhar um avião para Barcelona do que vir do Porto a Castelo de Paiva (ou Arouca). É irónico que uma tragédia torne célebre o nome de uma «terra de ninguém». Entre-os-Rios não é cidade, nem vila, nem concelho, nem freguesia. Por outro lado, Raiva sim. A raiva de um país a duas velocidades. Onde se olha para o lado quando se fala dos problemas «de proximidade». Onde se adia a resolução de problemas como estes, apesar dos avisos constantes. Dez anos depois, todos nós nos afundamos um pouco, solidários com Entre-os-Rios ou não. Porque nada apagará aquela dor. Especialmente porque ela está lá, aguda, todos os dias. Enquanto «os outros» se esquecem dela, até alguém os lembrar.