23 de Janeiro de 2010 – O (des)acordo ortográfico, segundo Vasco Graça Moura

Não sei porquê, mas soube bem acordar e ouvir as críticas ferocíssimas de Vasco Graça Moura ao (des)acordo ortográfico. A intervenção do escritor sobre o assunto não foi muito longa, mas pareceu-me repleta de substância, e não resisti a transcrever o que disse. Quem se preocupa verdadeiramente com a nossa língua, com a nossa identidade, com o porquê de as nossas palavras serem assim, e não deverem ser mudadas por decreto e por provincianismo ou falsa ideia de internacionalidade, talvez deva estar atento ao que diz Vasco Graça Moura. E quem não pensa nada sobre o assunto, se calhar também.

«Devo dizer que considero o acordo ortográfico um chorrilho de asneiras, absolutamente incompatível com a dignidade da língua portuguesa e da identidade do nosso país, não por qualquer espécie de nacionalismo exacerbado, mas porque o acordo é completamente desajustado à maneira como nós falamos a nossa própria língua, e quando digo nós não digo apenas os portugueses de Portugal, digo os que falam português em Angola, em Moçambique, na Guiné-Bissau, em Cabo Verde, em São Tomé e até em Timor. O acordo vem desfigurar a maneira de pronunciar, e instaurar a mais perigosa confusão para a ortografia. É mesmo o contrário da ortografia. Este combate nem é inglório nem é em vão. Porque o acordo não pode entrar em vigor. Basta dizer o seguinte. O acordo é internacional. Para um acordo internacional entrar em vigor é necessário que seja ratificado por todos os países que o subscrevem. Não aconteceu ainda. É completamente inválido o protocolo modificativo, que prevê que apenas três países subscrevam e ratifiquem, para depois se aplicar aos restantes. Não estando o acordo em vigor no plano internacional, também não pode estar no plano nacional. Primeira questão. Segunda questão, mesmo que estivesse, um pressuposto da aplicação do acordo é a existência de um vocabulário ortográfico comum, o que quer dizer dos sete países que subscreveram o acordo. Não existe. Sem esse vocabulário ortográfico, não pode ser aplicado».

«Se amanhã a facultatividade for a regra, quer dizer que você pode escrever uma palavra com ‘p’ mudo ou ‘c’ mudo e eu posso escrevê-la sem eles, e valem as duas formas. Desapareceu a ortografia, a maneira correcta de escrever, para ficar tudo ‘à vontade do freguês’. Considero perigoso, porque o acordo tem critérios divergentes e imprecisos, e portanto impede que haja formulações padrão, que permitam escrever tudo da mesma maneira. O Professor António Emiliano demonstrou que há palavras que, com o acordo, se podem escrever de quatro a trinta e duas maneiras diferentes. Então onde está a unidade ortográfica? Quer-se evitar um divórcio entre a grafia brasileira e a grafia portuguesa, e vai-se instaurar, muito pior que um divórcio, o caos total na maneira de escrever a nossa língua? E acha natural que se suponha que eu tenha que saber como se pronuncia a minha língua no Brasil, por exemplo, para saber como a hei-de escrever? Porque tem de se saber onde é que se pronuncia o ‘p’ e o ‘c’, nas várias formas ditas cultas de português (também ninguém sabe o que é uma forma culta, no sentido em que o acordo fala), tenho de saber como se fala a minha língua num país estrangeiro para poder escrever a minha própria língua?»

«As vogais, no Brasil, são abertas, e em Portugal tendem para o emudecimento. Por isso, quando estão lá um ‘p’ ou um ‘c’ ditos mudos (impropriamente chamadas consoantes mudas), estão lá porque têm uma função, que é a de abrir a vogal que as antecede. Isto é absolutamente fundamental. Se há irresponsáveis políticos (de que eu exceptuo, neste momento, a Ministra da Educação, que, apesar de tudo, tem tido o cuidado de protelar [a aplicação]) que não prestam atenção a isto, nem sequer deviam ter cargos políticos. Isto é um crime contra a língua portuguesa, e sendo um crime contra a língua portuguesa é um crime contra a identidade nacional».

(Vasco Graça Moura, em entrevista ao «Bom dia, Portugal», da RTP)

9 thoughts on “23 de Janeiro de 2010 – O (des)acordo ortográfico, segundo Vasco Graça Moura

  1. Pingback: Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa « SER EMPREENDEDOR

  2. Apesar de eu não ser um homem das letras nem tão pouco ser versado em filologia, linguística e tantas outras áreas do conhecimento ligadas à origem e evolução da nossa língua, concordo plena e incondicionalmente com as teses de Vasco Graça Moura e mais acrescento:
    – O actual acordo ortográfico teve , na sua origem, poderosas motivações de ordem política e economicista, concretamente traduzidas nos interesses livreiros e editoriais perante um vasto mercado lusófono no qual avultam cerca de duzentos milhões de brasileiros.
    – Curiosamente este acordo até é democrático mas pelas piores razões.
    Satisfaz as numerosas turbas de incultos e ignorantes, ávidas de simplificações ortográficas materializadas nas supressões de consoantes, eliminações de hífens, redacção de palavras com iniciais minúsculas, etc,etc.Este acordo é essencialmente desconstrutivo, levianamente simplificador e castrador apesar de, os seus mentores e ideólogos, sustentarem que uma língua é um organismo vivo e como tal evolui.
    – Sem pretensões a ser profeta prevejo para um futuro próximo um outro ataque ao património da língua portuguesa, ainda mais soez, humilhante e arrasador do que o actual acordo ortográfico : a substituição da designação- idioma português pelo emergente e fulgurante brasileiro. Nas instâncias internacionais o português -idioma, como designação identitária do país onde a respectiva língua nasceu, dará lugar ao brasileiro; nas capas dos diversos dicionários de conversão bilingue em vez de, por exemplo, aparecer Inglês-Português, irá surgir Inglês-Brasileiro.
    A sabedoria popular, genuínamente portuguesa, recomenda: nunca peças a quem pediu nem sirvas a quem serviu.Os tempos actuais e vindouros estão e estarão propícios à inversão dos papéis de colonizadores e colonizados, aliás o ex-presidente do Brasil , Lula da Silva,já o declarou quando recentemente atirou para os microfones da comunicação social : em 1500 foram os Portugueses a descobrir o Brasil, agora …

  3. Eu como Português sou contra.E segundo a Data Folha a mais confiavel instituição de pesquisa no Brasil, 89% dos Brasileiros tambem são contra.É claro que como o Gomes Vitor citou acima,o interesse são os 200 Milhões de supostos novos leitores para as editoras.Se os Portugueses forem pesquisar de onde partiu a ideia do acordo( desacordo)vão ter uma surpresa desagradável.O Lula apesar de toda a ignorância o que ele quis dizer com a frase foi que o Brasil está para descobrir Portugal comercialmente,que aliás para Portugal seria otimo se já tivesse acontecido antes,claro que os acordos devem ser bem analisados e discutidos para beneficiar Portugal, conforme o Brasil soube discutir e se beneficiar com o capital estrangeiro, principalmente dos E.U.A.:Resumindo temos de saber dosar o orgulho com a inteligencia.Até porque a Espanha não está preocupada do dicionário em vez de ser inglês espanhol virar inglês argentino,mexicano,cubano,etc.Está na hora de Portugal ganhar coragem e se lançar de novo ao mundo sem medo e com inteligencia ….

  4. Não podia concordar mais com o Sr. Vasco Moura. Temos aqui uma pessoa que sabe o que diz (correCtamente), e que tem o poder de falar por nós, cidadãos portugueses, contra este grande desacordo ortográfico. Alguém faça algo em relação a isto.

  5. Ocorre-me que, quando apareceu a primeira versão do acordo ortopédico, em que o cágado ficava cagado – isso mesmo, «ortopédico», que é para ser mais fácil escrever com os pés -, ante o clamor de reacções adversas, cientificamente fundamentadíssimas, o então corifeu da heterografia proposta, e que ora se quer imposta, não encontrava melhor alegação do que afirmar que os detractores não tinham razão porque aquela trampa teria sido cozinhada por pessoas muito sábias e competentes, incluindo ele, evidentementemente. Está tudo dito, não?!

  6. Se possível, por favor, corrijam «Comentário á espera de moderação» para «Comentário à espera de moderação». Não é «á», é «à»! Estamos nós p’ràqui a falar de orthographia!…

  7. VGM, defende o que a maioria da população literada portuguesa defende: o Desacordo com o “Acordo Ortográfico”, qué é ilegal, destrói a Língua Portuguesa – logo anula uma das mais valiosas vertentes da Nação Portuguesa – abre caminho à ainda inexistente língua brasileira – pelo que um dia o Português desaparece para dar lugar à “língua” brasileira. Trata-se de um Crime de Lesa-Pátria e como tal deve ser punido pelos malfeitores que estiveram e estão envolvidos nesta humilhação. “Acordo”? Qual “acordo”?. Somos um País, Um Estado, Um Território, Uma NAÇÃO. Sem Nacionalismos Românticos, Essa “Coisa” deve ser eliminadas. Os que estão com “ele”, ou não sabem falar e escrever, ou sabem escrever mas desconhecem as razões pelas quais não deve ser aplicada.
    José Carvalho.

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