13 de Janeiro de 2010 – As dificuldades da democracia

Em entrevista ao programa «Bairro Alto», da RTP2, Joan Margarit, poeta espanhol, deliciou quem o pôde «ouver». Numa conversa bastante bem conduzida, por José Fialho Gouveia, Margarit falou da arte e da democracia, e das dificuldades que uma levanta à outra. Partindo da experiência da ditadura franquista, afirmou claramente que a democracia não sabe o que fazer com a arte, porque a arte não é democrática. Quando vivemos condicionados, centramos o nosso foco em libertarmo-nos da opressão. Só que, lembra Margarit, isso é o mais fácil. Difícil é fazer com que as massas passem, depois de alimentadas, a aculturar-se, em vez de «vegetarem» pelo entretenimento. E nisto, Margarit tem toda a razão. Pensarmos que da queda de uma ditadura à leitura de Shakespeare é automático, é errado. Porque alimentar uma população faz mexer muita coisa, inclusive a economia. Podemos dar de comer a muita gente de uma só vez. Mas fazer chegar a arte a muita gente de uma só vez… essa é (ainda) a grande dificuldade da democracia.

«Muitas vezes, as críticas à democracia… A democracia tem muitas dificuldades, evidentemente. Nós não as vimos. Um dos grandes erros da nossa geração, nos anos 60, foi pensarmos que, com a barriga cheia, quando as pessoas estivessem bem alimentadas, quando o pão chegasse para todos, depois da substituição da ditadura, ler Shakespeare era imediato. Era o passo seguinte, automático. E não é automático. Se há um passo difícil, é o de dar de comer, porque nisso influem as máquinas, a organização… A ciência pode dar de comer, mas, depois de estarem alimentadas, as pessoas não vão ler Shakespeare. As pessoas vão ao futebol. Nós pensávamos que isso tinha acabado com Franco, e não acabou. Agora temos uma sociedade alimentada, que não se molha à chuva, mas que não lê Shakespeare. Esse passo é muito mais difícil. Porque podemos dar de comer a milhões de uma vez, mas não podemos pôr milhões a ler Shakespeare de uma vez».

(Joan Margarit, em entrevista ao programa «Bairro Alto», da RTP2)

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