Há muito que o elefante estava bem no meio da loja de porcelanas. Aliás, há muito tempo que o elefante estava bem no meio da sala de cada um de nós. E nós, como povo, um pouco hipocritamente, como sempre, fizemos de conta que não era nada, que o elefante podia ser gracioso nos seus movimentos, e ou deixar-se ficar, ou ir-se embora sem partir nada. Assim não foi. Li, com a empatia de quem já sentiu a mesma injustiça, vários comentários de jovens arouquenses, indignados com o resultado que André Ventura alcançou em Arouca. Para termos uma ideia, simples e breve, Ventura foi o segundo candidato mais votado em praticamente todo o país, e quando leio outros comentários muito bairristicamente tripeiros, sorrio, porque Arouca faz parte da Área Metropolitana do Porto, e foi o único concelho da AMP em que Ana Gomes não ficou em segundo lugar. Olhar para esta evidência de forma parcial é mais ou menos como ouvirmos, há algum tempo atrás, Graça Freitas dizer que a pandemia não ia chegar a Portugal. Não há outra forma de olhar para isto senão pelo óbvio. Por muito que, no dia seguinte, ninguém admita que tenha votado assim, o que é facto é que André Ventura teve aquele número de votos, e isso quer dizer muita coisa. Quer dizer que o discurso anti-sistema foi ouvido e acolhido, e deve fazer pensar os partidos que se dizem legalmente constituídos, e que vão assobiando para o lado quando o assunto não lhes interessa. Quer dizer que o que Carlos César, presidente do PS, disse, não é bem assim, que o Chega é um problema do PSD. Não, o Chega, se é um problema, é um problema do país. Quer dizer que a frase que Ventura deixou, no final do seu discurso de ontem, é para ser ouvida com sublinhado, que não vai haver Governo de direita sem o Chega. E quanto a isto, não adianta Rui Rio meter a cabeça na areia, como a avestruz, mas apenas pela metade. E quer dizer, por fim, que isto de sermos contra qualquer coisa é muito bonito. Gera muitos textos interessantes nas redes sociais. Muitos comentários e partilhas. Mas enquanto, nestas coisas, como em outras, formos contra apenas cada um por si, o resultado é este, porque, na altura de votar, cada um por si, do que se lembra é da simpatia (ou não) que o elefante lhe causa. E o elefante pode ser um animal bem simpático.