Dizia, um dia, alguém que um ponto de vista é uma vista a partir de um ponto. Sempre que duas pessoas olham para um mesmo objecto, estão a vê-lo a partir de perspectivas diferentes, o que faz com que formulem juízos diferentes. Esta é, portanto, apenas uma vista a partir de um ponto, valendo, naturalmente, o que vale.
Numa altura em que o país precisa de uma Oposição firme, alternativa, mobilizadora até (não esqueçamos que, não tarda, teremos eleições autárquicas), o PSD ainda está à procura de um Norte que parece teimar em não chegar. Aquele PSD galvanizador, verdadeira herança de Francisco Sá Carneiro, que toda a gente gosta de citar e de ter como referência, existe cada vez menos. Em boa parte, porque, como alguns dos seus militantes constatavam, é um partido talvez demasiado democrático, talvez demasiado aberto, talvez demasiado ouvinte. O PSD é um partido de intensos debates internos, de fortes confrontos de ideias, à procura do rumo certo. E talvez seja esse o seu maior problema. A partir daí, abre-se a porta a que vários egos se posicionem, a que se dêem várias disputas internas desnecessárias, a que se prolongue à exaustão uma discussão identitária, que já há muito devia estar resolvida.
Na altura em que esta edição do Roda Viva esteja nas mãos dos leitores, o PSD estará, muito provavelmente, na fase final da contagem de espingardas, para uma segunda volta das eleições para a liderança. Na primeira volta, três candidatos tentaram convencer o eleitorado. Rui Rio, actual presidente do partido, prosseguindo o seu discurso de proximidade, por vezes pouco ortodoxo, em termos políticos, ficou a uns míseros 0,56% da maioria absoluta, que o re-elegeria automaticamente. Luís Montenegro, uma figura próxima à secção concelhia de Arouca, que passou dois anos a trabalhar na oposição interna a Rio, acabou por ser o grande derrotado, ao não conseguir vencer a primeira volta. Miguel Pinto Luz, aos olhos dos não militantes um ‘outsider’, cumpriu o seu papel, passou a sua mensagem, e, agora, sai de cena.
Em Arouca, contra o que seria de se esperar, Rui Rio venceu por uma ínfima margem de três votos, o que pode ter algumas leituras relevantes. Desde logo, ainda que por uma margem mínima, não deixa de ser uma derrota da actual Comissão Política Concelhia, cujo apoio a Luís Montenegro já havia sido manifesto. Os militantes sociais-democratas de Arouca elegeram os representantes da sua concelhia para serem a sua voz no próximo congresso, mas não elegeram o candidato que esses mesmos líderes apoiavam. Numa estrutura em que a rede de apoios é fundamental para a afirmação das comissões políticas de secção e das personalidades que se pretende (ou não) alavancar, estes resultados deixam no ar uma dúvida importante, que se prende com a forma como os militantes arouquenses olham para os seus líderes locais, deixando uma mensagem de discordância com a sua linha de pensamento. Em caso de vitória de Rui Rio (o que, com estes números, parece o mais provável), como se posicionará a secção arouquense do PSD perante a sua Direcção Nacional? Que tipo de relações manterá com a sua Comissão Política Distrital? Que figuras conseguirá congregar em torno de um projecto credível a apresentar aos arouquenses para as próximas eleições autárquicas e, a médio prazo, que figuras poderá apontar como elegíveis nas legislativas?
Estas são apenas algumas das questões a que o PSD Arouca terá de responder com alguma brevidade, ao mesmo tempo que deve, urgentemente, preocupar-se com a imagem que quer ter e com a mensagem que quer passar aos arouquenses. Os tempos que vivemos, ao contrário do que as redes nos fazem crer e de um mundo que parece estar ao alcance de um indicador a deslizar num ecrã, são de proximidade. Qualquer construção depende do alicerce, e o alicerce de um PSD a sério só será firme se partir das suas secções concelhias e, dentro das secções concelhias, a partir de cada freguesia, de cada lugar. Mais do que definir uma estratégia baseada no que os outros pensarão sobre o PSD, é o PSD que tem de afirmar, de forma vincada, o que pensa e o que pretende. Esse sempre pareceu ser, pelo menos aos olhos de quem está de fora, o desiderato de Rui Rio. Durante dois anos, foi o próprio partido que lhe dificultou a vida. O mesmo partido que se prepara para o re-eleger, num enorme mar de contradições.