A capa do JN de hoje é duplamente preocupante. Ao mesmo ritmo que as águas sobem em Veneza, inundando, mais do que é habitual, um vastíssimo espaço patrimonial, há doentes que ficam esquecidos nas urgências dos hospitais portugueses. Se juntarmos as duas notícias, várias são as metáforas que podemos fazer, mas uma é transversal. A inacção, o não fazermos nada, só adensa o problema que nos aflija. A ‘acqua alta’ é uma realidade com que os venezianos sempre viveram, sempre previram, sempre controlaram. Há décadas que se fala na possibilidade de, a prazo, Veneza poderá deixar de existir, e passar a existir apenas a água da ‘acqua alta’, o que seria uma espécie de regresso à Atlântida. O mesmo pode acontecer ao sistema nacional de saúde, numa altura em que o investimento público é inexistente. As macas, esquecidas, a encherem os corredores das urgências, são uma espécie de ‘acqua alta’, com cheiro a esgoto e cor escura, que não queremos que nos molhe. Todavia, se nada for feito, esse património conquistado que é o serviço nacional de saúde será rapidamente invadido por essa água fétida, com cheiro a morte, repugnante. E, nessa altura, como sempre acontece, nenhum político irá sujar o fato. Porque, desde o tempo dos Romanos, as pessoas mais importantes vivem em andares superiores, para estarem mais próximas dos deuses.