
A cultura não serve para nada. Não gera riqueza. É um gasto. É uma forma de propaganda. A cultura dá prejuízo. Não contribui para a diminuição do desemprego. Esgota-se nas festas para entretenimento do povo. Serve para angariar votos. De forma resumida, este é o raciocínio mais simples. Aliás, a tónica na politização é frequente, sobretudo por parte de alguns intelectuais da metrópole e de alguns subsidio-dependentes, pseudo-criadores e artistas. Gente que tem medo da municipalização da cultura. E percebe-se porquê. Porque, desta forma, deixaria de haver dinheiro público para apoiar pseudo-criações alegadamente vanguardistas, conceptuais, incompreensíveis pelo comum dos mortais.
Não temos motivos para ter medo da municipalização da cultura. Senão, vejamos exemplos como os da Escritaria, em Penafiel, do Festival de Música de Marvão, ou da Viagem Medieval, em Santa Maria da Feira. Como podemos falar, em Arouca, da Recriação Histórica e dos Retratos do Barroco, por exemplo, como eventos com dimensão e potencial que podem ir largamente para além do mero entretenimento. Os eventos, e em particular os que têm forte impacto na ocupação e apropriação do espaço público, geram, inevitavelmente, movimento, comércio, proporcionam o encontro e o convívio.
Mas têm uma outra dimensão, que frequentemente esquecemos, e em que todo o investimento é pouco: ajudam-nos a aprender. A dimensão pedagógica, que facilmente conseguimos potenciar, é fundamental, e talvez seja isso que irrita os intelectuais da metrópole, alguns subsidio-dependentes, pseudo-criadores e artistas. É mais fácil assumirmos que o público é uma massa inerte, iletrada e amorfa. Porque, na realidade, é tão difícil para essa gente, quanto fascinante pode ser para quem arriscar fazê-lo, abordar o público de uma forma simultaneamente artística e pedagógica.
Em Arouca, é esse o caminho que está a ser percorrido. Seja, na produção de eventos, com a junção entre nomes de referência nacionais e o movimento associativo local, seja, por exemplo, na Recriação Histórica/Retratos do Barroco, com uma clara aproximação ao público, trazendo-o para dentro do próprio evento, com visitas guiadas ou participando activamente em actividades performativas.
O que os intelectuais da metrópole, alguns subsidio-dependentes, pseudo-criadores e artistas esquecem (ou preferem esquecer) é que a política cultural autárquica já não é feita na base da atribuição de subsídios. Ela pode (e deve) ser feita de forma activa, atenta e interventiva, como foi o caso, por exemplo, da iniciativa do Município de Arouca em substituir-se ao Estado no apoio ao restauro do órgão de tubos do Mosteiro. E, nesse sentido, é um agir político, sim, mas com um sentido de proximidade e de carácter estruturante, que nenhum organismo do Estado conseguiria alcançar.
Neste sentido, é tempo de a Câmara Municipal olhar, de forma mais profunda, para o Mosteiro de Arouca. Não meramente como um espaço com potencial hoteleiro, mas como uma fonte quase inesgotável de conhecimento, com fortíssimo potencial pedagógico, a começar, desde logo, pela música, quer com o fundo documental de manuscritos, quer em torno do órgão. Cabe à autarquia e à Real Irmandade da Rainha Santa Mafalda o abrir de portas a este conhecimento, novamente, trazendo o público para dentro das actividades. Contas rápidas, a título de exemplo, em torno do órgão, seria relativamente fácil desenvolver programas educativos com um financiamento que, rapidamente, poderia ter retorno, apenas com a visita (paga) dos cerca de 2500 alunos do ensino básico, em Arouca.
Não há que ter medo da municipalização da cultura. De um agir político local, em torno da cultura. Precisamente, para que ela não se esgote nas festas e no entretenimento. Para que todos fiquemos mais enriquecidos, ao olhar para a arte (ainda) de mais perto. Até mesmo por dentro.