O debate parece estar a decorrer longe das posições extremadas que outros debates fracturantes foram assumindo, o que demonstra que, apesar de tudo, a sociedade portuguesa está mais madura, mais preparada para pensar, para informar-se, para trocar argumentos, para expressar-se. A questão da eutanásia volta a ser colocada, ainda que de forma mais ou menos indefinida, mas o assunto debate-se, e ainda bem.
Um dos pontos que importa, contudo, fixar é que um debate destes não pode nem deve resvalar para convicções pessoais ou particulares, para experiências vividas, para exemplos concretos. Cada caso será sempre um caso, e se haverá casos em que, de fora, parecerá sensato recorrer à morte assistida, há também inúmeros outros em que as doenças prolongadas e com prazo para vencerem dão lugar a uma quase contraditória vontade de viver. O debate tem de centrar-se, portanto, no quadro legal, o mais universal e abrangente possível, e não tanto nas questões de pormenor.
Outra questão que deve ser colocada é a dos números. Fala-se, sabe-se, comenta-se acerca do número de pessoas que, convictamente, desejam morrer de forma assistida. Aqui, a leitura pode ser traiçoeira. Uma das instituições que mais tem trabalhado esta questão, a clínica suíça “Dignitas”, terá acolhido e “tratado”, desde 2008, cerca de 2100 pessoas. Destes 2100, apenas 20 serão portugueses, e os registos não são claros se se trata de utentes à procura da eutanásia ou meros apoiantes da causa. Dizermos, portanto, que é uma solução muito procurada, pode não ser absolutamente verdadeiro.
Há, por fim, a questão política. Nestas alturas, parece que o Parlamento só assume o papel de representante dos eleitores quando decidir é fácil. Quando os temas não têm impacto eleitoral, ou assumem demasiada importância, parece que os deputados perdem o mandato, e preferem voltar a transferir o ónus da decisão para o povo que, pasme-se, os elegeu para que decidissem. O referendo é, de facto, um barómetro significativo. Mas se um Parlamento não decide, a sua existência é, pelo menos, questionável.
Mais do que para justificar uma posição vincada, ou argumentar em qualquer das direcções, estes três pequenos pontos podem contribuir para um olhar diferente para o problema. Porque, pelo que temos visto, o debate não vai mal. Parece, inclusive, encontrar mais pontos de convergência do que de divergência. São apenas três (pequenos) pontos. Haverá, por certo, quem tenha mais propriedade para falar sobre o assunto.