Quando somos público, facilita-se-nos a crítica. Rapidamente ficamos com a sensação de que, afinal, é fácil. A observação foge-nos para o gosto, e, se não gostamos, achamos simples, fraco, «uma porcaria». Exercer o juízo de valor é complicado, perverso até. Mas enfim. Hoje, foi dia de ver e ouvir as irmãs Labèque, na Casa da Música (obrigado, meu querido amigo Jorge Prendas), num formato e com repertório pouco habituais. Dois pianos em palco. Uma primeira parte dedicada a Ravel, com «Ma mère l’Oye» e «Rapsódia Espanhola». Uma segunda parte dedicada a Stravinsky, com a «Sagração da Primavera» para dois pianos (uma versão que o próprio compositor terá preparado para situações de ensaio do bailado). Katia e Marielle Labèque sempre tocaram juntas, e a sua discografia é das mais premiadas do mercado internacional, muito por força do repertório que trabalham. Tocam nas salas mais importantes do mundo e trabalham com os músicos mais relevantes do mundo. Têm dois anos de diferença, mas parecem gémeas, até na forma como tocam (juntas). Hoje, no final do concerto, lá se foi falando sobre como correu, do que se gostou e não gostou tanto. E nunca como naquele momento as palavras de Flaubert, no Dicionário das Ideias Feitas, foram tão certeiras: «para se ser um verdadeiro músico não se deve compor seja o que for, tocar seja que instrumento for e deve desprezar-se os virtuosos». Assim, já se pode ter espírito crítico suficiente.