1 de Janeiro de 2011 – Quando entrevistei Ruy de Carvalho (I)

A entrada no Ano Novo serviu também para remexer nas memórias. Ontem, revi, a passear pelas ruas de Arouca, o actor Ruy de Carvalho, que tive o imenso prazer de entrevistar a 2 de Janeiro de 2000, então para um trabalho da faculdade. De imediato me vieram à memória praticamente todos os momentos daquela tarde, em que eu procurava experimentar o que era ser jornalista, e Ruy de Carvalho «despia a farda» de actor, para ser «homem como nós». Não resisti a publicar o texto, ainda que por partes. Muita coisa mudou entretanto, como a ausência da sua Rute. Mas há frases que permanecem. Coisas que continuam a fazer sentido. E uma das mais gratas memórias reavivadas. Esta entrevista foi realizada na residência do sr. Valdemar Duarte, distinto amigo, e contou com a colaboração fotográfica do meu amigo Nuno Cerca. Faz, agora, 11 anos que tudo aconteceu.

O descanso do guerreiro no anfiteatro natural

Bondade, dor, amor e ódio são as quatro colunas em torno das quais nasce o Teatro. No seu centro, o que lhes dá razão, ou vida – o actor. Correm-se as cortinas da janela como as de um palco, e surge em cena o anfiteatro natural. Depois de muito tempo passado, depois do espectáculo de uma trovoada seca, sobe ao palco o cair da tarde. O guerreiro, o cavador, o homem que se transfigura e não deixa de parecer e ser quem é descansa. Deixa do lado de fora da porta mais uma discussão normal de um dia de vida e veste-se de si mesmo, encarna a sua própria personagem. Tudo está a postos para que o espectáculo comece. Passo a passo, descobre-se o homem por trás de tantos homens. Arouca é o pano de fundo, sobre o qual se vão desenhando traços que abrangem o mundo. Diálogos sobre o universo, sobre universos e particularidades. Uma vida, várias vidas, várias vidas numa só… O pano permanece corrido e já a noite se apoderou da cena. O pano permanece e permanecerá corrido, porque nada apagará da memória aquela representação que foi tão bem representada que ultrapassou a própria realidade daquele momento…

O percurso de uma vida, uma família de actores

P: Seria justo começarmos pelo seu percurso de vida e profissional…

R: Bem, eu comecei a lidar com gente do Teatro muito novo. Tive família no Teatro, os meus irmãos… Vivi muito no meio, no meio do Teatro. Portanto, não foi difícil. Apenas foi difícil saber se tinha ou não jeito para representar. Tive algum… Fiquei na profissão. Não tive, portanto, dificuldade em entrar. Estudei, depois, paralelamente. Tirei outro curso, um curso não vocacionado para gente do Teatro (um curso comercial), mas que serviu de preparação. Fiz o curso do Conservatório e comecei em 1947, no Teatro Nacional como profissional e com colegas profissionais (não tinha ainda o curso, mas ao trabalhar numa companhia profissional, tornamo-nos profissionais). Foi este o meu percurso como homem de Teatro. Também não tive dificuldades na escolha da carreira, os meus pais aprovaram. O meu pai, embora fosse militar, gostava muito das artes… Foi fácil a minha entrada na vida profissional do Teatro, em que estou, há quase 53 anos…

P: Tem um filho que também é actor. Sente algum tipo de continuidade?

R: Sim, o João. Eu tive irmãos actores. Eu continuei os meus irmãos. Agora, um filho… A minha mãe só teve filhos actores… É realmente gratificante, para um pai que escolhe uma profissão, depois de continuar os irmãos…E o meu filho, gostava que fosse actor e que escolhesse a minha profissão, e escolheu! É a prova que é uma profissão tão nobre e tão digna como as outras.

Uma história de amor original

P: Gostaria que me falasse sobre a sua história de amor, bastante original…

R: Original… Eu conheço a minha mulher há 55 anos. (Talvez 56…) Conheço-a desde aquele momento… Eu estava no Conservatório e a minha mulher (que é formada em História e Filosofia) também dançava, também estava no Conservatório. E eu estava um dia a conversar com o Armando Cortez e ela entrou, por uma escada contrária, num átrio e eu disse ao Armando: «Olha, vês aquela miúda? Gostava que fosse a minha mulher e a mãe dos meus filhos…». E foi… Passado um tempo ela terminou o namoro que tinha e começámos a encontrar-nos, por acaso. Nós trabalhávamos os dois no S. Carlos. Eu, enquanto tirei o curso no Conservatório, estive no Coro de S. Carlos. Era, na altura, um coro amador. E era-me útil, porque trabalhava a voz, tinha escola de canto (que era dirigida por um grande cantor português que foi o Tomás Alcaide)… Tudo isso era um benefício para mim, porque, ao mesmo tempo, em vez de perder as noites, ganhava as noites, cantava ópera, conheci grandes cantores da época, comecei a pisar o palco com muita frequência (o que também foi muito útil para a minha profissão). E isso aproximou-me dela. O que é engraçado é que tudo isto termina (ou começa) com a nossa aproximação, no Porto. Foi numa digressão da Ópera de S. Carlos, em que ela dançava e eu cantava, que nós falámos pela primeira vez. Começa aí o nosso romance de 55 anos (são 9 anos de namoro e 46 de casados). Aí está… É uma vida! E às vezes pensa-se que os actores são pessoas com uma vida irregular… Eu vivo num bairro social, no Bairro de Sta. Cruz, em Lisboa. Um dia, um vizinho meu disse-me assim: «Afinal de contas, o senhor é uma pessoa igual às outras…!». Sou perfeitamente igual. Só tenho uma diferença: trabalho numa profissão que tem montra, somos conhecidos pelo Palco, ou pelo Cinema, ou pela Televisão. Qualquer pessoa que sirva bem, que se torna notada na sociedade passa a Ter um pouco de montra, e de jornais, e “VIP’s”… Mas é assim. Hoje consumam-se 55 anos na vida de duas pessoas. É realmente qualquer coisa! Tenho dois filhos, uma é jornalista e o outro é actor, como eu… São duas pessoas que estão na Comunicação Social. A minha vida pode ter-lhes proporcionado essa facilidade. Qualquer deles teve facilidade de contacto, são meios que proporcionam contactos… As pessoas vão ao Teatro, à Música, frequentam os sítios onde há pessoas que se interessam pesas mesmas coisas… Torna-se mais fácil.

Uma profissão de paixão – uma vida, várias vidas: perspectivas

P: Quando aborda um determinado papel ou um determinado personagem, fá-lo de uma forma mais profissional ou mais apaixonada?

R: Eu começo pela paixão e depois tenho que ir à profissão. Porque a profissão dá-me para todos os dias. Nós temos que fazer todos os dias um trabalho e estarmos preparados para isso. Nós exigimos a nós próprios um trabalho e um cuidado físico. As nossas condições são muito limitadas. Temos que ter sempre o cuidado de estar presentes todos os dias no espectáculo, não nos podemos afastar muito… Isso vai-nos cortando as possibilidades de férias, por vezes, ou passar determinadas épocas com a família. Eu passei muitos Natais e Fins-de-Ano longe da família, longe de casa, noutros sítios, a trabalhar. Tinha que ser… Tinha os filhos a crescer e precisava… Mas ataco sempre os papéis com paixão. Eu gosto muito é de representar. É claro, há papéis que são melhor desenhados que outros, há outros mais difíceis. Há linguagens mais difíceis, há escritores que são mais complicados a escrever e com os quais não temos tanta facilidade. Decorar um texto exige leituras permanentes e contínuas. Para Teatro, sobretudo… Já o Cinema se decora em fracções…

P: Exacto, o Cinema (como a Televisão) proporciona sempre o “voltar atrás”…

R: Sim, há a hipótese de recapitular… Nós, no Teatro, temos isso, mas no ensaio. Há fases no trabalho de Teatro que temos de usar em fases de Televisão. São trabalhos que não estão ainda consistentes. Estão conseguidos em termos de interpretação, por vezes, mas não totalmente conseguidos na parte técnica. Tem que se fazer um esforço muito maior. No Teatro temos ensaios todos os dias. Isso obriga-nos a saber o texto com maior rapidez…

P: Também não há a possibilidade de uma análise constante. Quer dizer, na Televisão a pessoa faz e pode estar imediatamente a ver-se, a ver o que fez…

R: De facto. Tem que se procurar uma análise imediata. Isso também em Rádio. Nós, na Rádio, lemos três vezes e temos que gravar (e representar). A parte interpretativa do texto não leva, normalmente, muito tempo. O que nos leva mais tempo é a procura do decorar, a busca da expressividade, para que não fique uma coisa monocórdica, chata, sem valores… Nós estamos a falar desta forma, mas é a tentar chegar a este nível, conseguir que as palavras venham com esta fluência (com palavras que não minhas). Temos também que construir gramaticalmente. Estamos aqui a fazer vírgulas, pontos finais, parágrafos… Tudo isto, mas a conversar. Como calcula, o trabalho escrito não é igual ao trabalho dito, as palavras não têm o mesmo tamanho… As palavras podem ser ditas de várias formas, enquanto que na grafia estão sempre iguais. Mas têm intenções diferentes, as intenções variam… É o gozo que isto tem. Já repeti, possivelmente, palavras com sentidos completamente diferentes. Quando me faz uma pergunta, ela tem uma intenção. Quando estamos a fazer determinados papéis, como cínicos, avarentos… As palavras vêm com gozos diferentes. Quando estamos a ironizar, as palavras são as mesmas, mas com ironia. O perigo de fazer os cínicos, por exemplo, é “carregar na farinheira”, como nós costumamos dizer, que é fazer cínico demais. O grande cínico é aquele que não se percebe que o é… O Yago, do «Othello», o símbolo do cinismo e da hipocrisia. É o maior filho da puta do mundo (depois corte ali…). Mas não pode parecer. Ele é tão convincente que tudo o que ele diz parece verdade! Normalmente os grandes hipócritas são os gajos que não parecem… Aliás, não gostamos de tipos brutos, os que dizem as verdades, mas eles são, às vezes, os melhores… Por certo já encontrou gente bruta, mas muito boa, cheia de saúde na sua forma de estar em contacto com o seu semelhante.

P: Como é “fazer” um personagem, ou encontrá-lo?

R: Bem, o autor foi quem o fez… Mesmo quando é «Comédia Dell’Arte» ou improviso… Há sempre um autos para um texto ou para um desenvolvimento. Nós temos figuras marcadas. As figuras da «Comédia Dell’Arte» são figuras características, o Palhaço, o Arlequim, o Pantaleão… Mas depois há muitos arlequins, muitos pantaleões… Cada um interpreta como quer. Nós, na vida, pertencemos a grupos. Em termos físicos ou étnicos, chamemos-lhe assim… Há pessoas características de determinadas zonas. Os nórdicos são pessoas como nós, mas com outras características. Já os gregos são extremamente parecidos connosco… Nós os latinos, por exemplo, temos muita dificuldade em fazer Oscar Wilde, por causa do snobismo. Mas há um povo – o povo alemão – que faz melhor Oscar Wilde que os ingleses, segundo os técnicos de Teatro. São os alemães quem faz melhor aquelas figuras, que os faz ter um snobismo primoroso… O «Hamlet», por exemplo, não se passa na Inglaterra, mas na Dinamarca…

P: Acredita que o actor é um fingidor?

R: Acredito. Como um poeta. Temos que fingir, não há dúvida nenhuma, senão morríamos… Mesmo assim, temos um desgaste físico grande, porque há determinadas dores… Suponha que uma pessoa de quem gosta muito morre, um pai, uma mãe, um filho… São bocadinhos de nós… Agora, temos que o fazer em cena. Muitas vezes, morre-nos um filho. São dores… Como com o Lear, por exemplo. O que as filhas fazem ao pai é uma coisa “do arco da velha”… Mas ele, no fundo, desprezou-as, porque elas disseram a verdade… Essas dores são, como calcula, tremendas! Senti-las…! Eu senti-as todos os dias! Só que eu sabia, como fingidor, que não era dor. Mas, fisicamente, eu senti-as, porque eu tinha um desgaste físico muito grande. «A Tempestade», por exemplo, que fiz aqui no Porto, no Teatro Nacional São João, antes das obras. O teatro era todo aproveitado… Eu entrava e ia para a plateia, sentava-me ao pé das pessoas, do público… Era um espectáculo muito bonito! Mas era uma interpretação, uma forma… Os textos podem ser interpretados de várias formas e a gosto do encenador, desde que ele não faça traições totais ao texto. De qualquer forma, isso deixa-nos marcas físicas. Eu dizia, por brincadeira, que o dia, para mim, é como lavrar um campo de sol a sol… Um trabalho físico, como um cavador, como se eu fizesse esse trabalho…

P: Será o actor uma espécie de “monstro”, que conta histórias para se esconder atrás delas?

R: Não digo que seja um monstro… Mas esconde-se atrás das histórias. Claro, esconde-se… Eu estou a observar aquilo que estou a fazer. Se não fizer essa observação, sai descontrolado… Eu tenho que estar absolutamente controlado ao fazer o trabalho…

P: Eu adoptei o “monstro”, porque é uma frase do Pedro Paixão…

R: Não, mas é isso! O monstro, às vezes, não é depreciativo. O monstro pode fazer-se ao fazer poesia…

P: Monstro, talvez no âmbito da construção, de incansável, de muito desgaste, e, no entanto, energia de sobra…

R: Sim, agora veja o controlo e o fazer, as duas coisas juntas, o controlar o que se está a fazer… É um esforço físico, talvez gradual, depois da estreia (não que não seja estreia todos os dias). Isso obriga-nos a um controlo. Se já nos habituamos a uma gargalhada em determinada altura e há um dia que não há? Temos que estar completamente controlados para não esperar por aquela gargalhada. O nosso controlo é absoluto. O beijar as colegas, por exemplo… Nós não podemos estar em activo, senão não representávamos. Estamos controlados. Ali, no Teatro, temos o público, e os colegas em cena. Na Televisão, na Rádio, no Cinema, temos os técnicos todos à nossa volta… Nunca pode haver um descontrolo físico em coisa alguma.

P: Abordando a questão do público, como é este misto de monólogo/diálogo com o público?

R: No Teatro é um diálogo. Nós sentimos a reciprocidade e gostamos de a sentir. Aliás, uma das coisas que às vezes complica a nossa vida profissional, no que diz respeito ao Cinema e à Televisão, é o não termos a imediata resposta… Temos que a ir descobrindo, temos que ir descobrindo as coisas que realmente nos dão o contacto humano. Na Televisão temos as câmaras e quem as controla, temos o pessoal que está ali, as meninas da limpeza do estúdio… Tudo isso está presente. Às vezes há uma multidão no exterior, a ver-nos filmar… Isto é a reciprocidade, a troca de emoções entre o público e nós, o que é muito agradável! É por isso que eu gosto do Teatro… Não que não goste muito de representar em Televisão ou no Cinema! Gosto muito, eu gosto muito é de representar! Mas a forma de que gosto mais é o Teatro, porque é onde tenho resposta imediata. Onde uma lágrima minha tem a ver com as lágrimas do público, com as emoções que eles estão a sentir sinceramente e eu, às vezes, não estou a sentir… Eu estou a caminhar para que eles chorem… Não é forçá-los a chorar nem obrigá-los a chorar ou a rir, mas a tentar que as emoções “toquem” nas pessoas… É um esforço de encontrar emoções “do lado de lá”… Quando sentimos que há distracções… Há coisas tremendas… Carteiras de senhora a fechar, papéis de rebuçados, telemóveis… (Hoje pede-se para não tocarem telemóveis… chegou a ser infernal!). Vou contar-lhe uma coisa engraçada que aconteceu comigo… Eu estava a fazer o «Rómulo, o grande», de Dürenmatt, no Teatro Nacional. E estava, nesse dia, um grupo de cegos na primeira fila (cegos que são belíssimos ouvintes). Os cegos nunca estão quietos com a cabeça… Como não vêem, a cabeça não pára… Mas isso não nos perturba, porque sabemos que eles são cegos e identificamo-los imediatamente, porque estão normalmente nas primeiras filas. E estava um rapaz, sentado também na primeira fila, que brincava com aquele “cubo mágico”. Ele estava entretido e eu, a certa altura, penso: «Ele está numa situação que eu não percebo… O que é que ele está a fazer? Ou nós não temos interesse nenhum (mas aí, o resto do público não estava de acordo)…». Então, parei a determinada altura. Os meus colegas tinham saído e eu fiquei sozinho, tinha um monólogo muito bonito, a propósito da sociedade da época, e parei para lhe perguntar: «Porque é que está a fazer o “cubo”? Não está bem disposto? Se não quer estar a ver isto, vá lá para trás… É que assim incomoda-me profundamente! Se não gosta, vá-se embora, faça o que quiser, mas isso não! Está completamente longe de nós, não faça isso…!». É que há um desligar… É como se a corrente estivesse interrompida, percebe? Entre mim e o público, ele, sozinho, conseguia separar-nos…

P: Um ruído no circuito de comunicação…

R: Exactamente! Havia ali uma brecha no circuito de comunicação… Eu estava completamente distraído com ele… E ele disse-me sabe o quê?… «É que eu não vim ver o espectáculo… Vim acompanhar os cegos…». Então, eu disse-lhe de novo que fosse lá para trás… «Não, não! Agora vou ver…», disse ele. Ele foi ver o espectáculo numa situação de levar pessoas e não de ir assistir.

P: Há necessidade de uma certa educação…

R: Claramente! É uma questão de educação. Não que ele fosse mal-educado. Depois até foi dos que aplaudiu mais! Mas ia “noutra”… As pessoas têm que ir para as coisas com gosto, com prazer… É claro que isto é um bocadinho de exagero, mas uma pessoa não pode ir chateada para o Teatro… Nem com a “pança cheia”! (O arroto… É incómodo!). Precisamos de estar leves, para que as coisas entrem com mais facilidade.

P: Tem que haver uma predisposição para determinadas coisas…

R: Prepararmo-nos para isso… E, em Portugal, há uma coisa muito grave: «Vamos lá ver esta merda…». Partimos de uma premissa errada. «Vamos ver uma coisa que me agrada, de que gosto, que depois posso não estar de acordo com…». Isso é que é! Usar o nosso poder crítico…

P: Experimentar…

R: Exactamente, é a nossa experiência que depois entra, o poder crítico, o conhecimento, aquilo que estudámos, a matéria que nos interessa ou não, dizer se estamos ou não de acordo com esta ou aquela ideia, se a discussão é interessante… Se estamos só para nos divertirmos, então vamos bem dispostos para nos divertirmos. Uma coisa alegre… Mas isso escolhemos, como com a leitura. Também escolhemos a leitura… Apetece-me um policial, ou apetece-me uma revista, ou algo mais possante, mais forte, com mais conteúdo, mais teórico, comparativo connosco, com uma forma de estar na vida… É esse interesse que a vida tem que não me deixa parar! Eu digo que nunca estou quieto, vivo intensamente a vida… Uma das razões pelas quais eu gosto desta casa é porque esta vista me sugere um anfiteatro natural… Uma coisa linda! Eu já vi aqui uma trovoada seca que houve há alguns anos e foi um deslumbramento! Aqui, desta casa…

P: Acredita que a vida é um palco?

R: É, não há dúvida que é… Com bastidores e tudo! Nós, na nossa casa, estamos de uma forma, na rua estamos de outra. Para o trabalho, temos de ir arranjados… Há os da chamada “classe média” que têm que andar de fato-macaco… Cada um veste-se de acordo com a sua profissão. Aliás foi uma das coisas que veio com o 25 de Abril… Desapareceram as fardas… Os grandes trabalhadores vinham todos fardados para a rua. Depois, ninguém queria ter farda, porque eram carneiros, eram não sei o quê… Não! Era a poupança do fato, o reconhecimento de uma profissão, do trabalho que fazem. A farda de trabalho não é uma coisa deslustrante. Imagine que eu tinha que ir varrer ruas. Não podia ir com este fato. Tinha a minha farda de trabalho (poupava o meu fato) era respeitado por isso. Depois, chegamos a casa, mudamos de fato e vestimo-nos como “cidadãos livres”. Andamos sempre muito “fardados”. Eu também me fardo todos os dias, quando represento…

P: Representar é procurar a vida ou um ideal de vida?

R: É um ideal de vida. Claro que sim… São ideais de vida, bons ou maus. (Ideais não serão todos… O mal não é um ideal, mas é uma comparativa do ideal, para que se saiba o que é ideal, o que é melhor…). Mas… Eu gosto dessa pergunta! Mas tenho que andar aqui à procura… Estou um bocadinho baralhado… [Silêncio] Tem a ver com o passarmos para uma vida paralela, mas que não tem a ver com esta. Perde-se a beleza totalmente… A beleza da arte posta ao serviço da vida não fica tão pura, não fica tão bem… O que tem que se dar é mais valorizado, tanto no mau como no bom, para que as pessoas que estão na vida (os da vida) vejam naquilo correcções. Os artistas podem estar mais tempo nessa vida paralela. Os pintores, os escultores podem estar 24 horas. Mas aqueles que têm de transmitir sentimentos escritos por outros (ou deles próprios) não podem estar tanto tempo… Eles também têm a sua vida “normal”, a vida de qualquer cidadão… Mas têm uma saída para outras vidas. Até um qualquer funcionário tem… Um médico, um advogado, um funcionário dos correios, têm um ar, uma forma. Como ser polícia… Há posturas de representação, de “figura”. Como jornalista, muitas vezes terá que ir contra a sua forma, e ser um pouco como “aqueles que perseguem as pessoas”. Mesmo sem querer, tem que ser… Precisa de uma entrevista, precisa de um trabalho… E não desiste! Eu tenho uma filha jornalista, como disse… Estou, portanto, à vontade para lhe falar sobre isso. Tem que encontrar uma forma, encontrar a sua imagem de jornalista (imagem escrita ou falada). A minha filha é jornalista de Rádio, por exemplo… Mas, como sabe, a escrita de Rádio é completamente diferente da escrita dos jornais… São imagens.

P: Qual o personagem mais parecido consigo?

R: [Silêncio] Talvez aqueles que não têm muitos problemas… Sou um homem que não tem muitos problemas. Considero-me um cidadão normalíssimo, tenho o cuidado com a vida, com o desenvolver da minha família, da minha vida… Há personagens mais fáceis de fazer… (Mais fáceis… Nenhum é fácil! Não somos nós, não é?…). Mas o Leonardo, por exemplo, que eu estou a fazer agora na Televisão… É um personagem que não me é difícil, embora ele seja dado como louco… Mas não se trata de um doente mental. É antes uma pessoa com problemas de stress, de ordem nervosa, frustração… Não é um doido! De qualquer maneira, não tenho muita dificuldade… Tenho tido alguns “bicos d’obra”… Especialmente quando são muito contrários à minha forma de estar… Até física…

2 thoughts on “1 de Janeiro de 2011 – Quando entrevistei Ruy de Carvalho (I)

  1. E, que me lembre
    O ti Rui ia á missa das onze aos domingos, com a falecida…
    Quando entrava… o coro desafinanava e eu tentava compensar…
    Dava um pouco mais aos pedais do velhinho PETROFF…
    (já agora, onde está?…eu compro…são saudades…)
    Népia, Zero, não compensava…
    E, quando se queixa que o “canastro” já não aguenta,..
    Em 91 já eu lhe admninistrava …aquela poção mágica contra a
    Brigada do Reumático…aí mesmo no velhinho CSA.
    Já agora Bom Animo (Ânimo) pró resto de todo o ano.—–JT

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