15 de Fevereiro de 2010 – A orientar um «workshop» musical, na Igreja da Lapa (Porto)

Hoje, um dos «workshops» integrados no encontro ibérito de Taizé, a decorrer no Porto, vai ser orientado por mim, em parceria com o organista Filipe Veríssimo, na Igreja da Lapa. Vamos procurar mostrar a importância do órgão de tubos na celebração da fé, de como a música e o sagrado têm muito em comum, de como o órgão é o «rei dos instrumentos», de como a música é fundamental para o ritual de culto. Para os que não puderem passar pela igreja da Lapa, a partir das 16 horas, aquilo que vou dizer será mais ou menos o que se segue. Ficarão, contudo, a perder a música que Filipe Veríssimo vai fazer e nos vai ajudar a fazer.

«Orar com Música»: o papel do órgão de tubos na celebração da fé
Ivo Brandão e Filipe Veríssimo (Igreja da Lapa, 15 de Fevereiro de 2010)

Olivier Messiaen terá sido o compositor que melhor se aproximou da síntese perfeita entre música, palavra, oração, Deus, a natureza, o homem e as suas sensações. Messiaen teve, de resto, como que uma visão do que idealmente deveria ser a música ao serviço da fé: uma música que torne presente e possa impelir-nos a vivenciar essa realidade imaterial que é a fé, tornando a música mais do que um ornamento ou um embelezamento, mas um verdadeiro sacramento, que nos incentiva à comunhão e nos revela, mesmo que não o consigamos exteriorizar, muitos dos mistérios a que, de outra forma que não através da música, não conseguiríamos aceder. É esta, de resto, a visão que a própria Igreja tem da música ao serviço do culto, e que podemos encontrar em alguns dos seus documentos oficiais.

Obviamente que, neste caso, falamos de um criador contemporâneo, e de obras que ainda nos soam complexas, não totalmente descodificadas e ainda pouco aplicáveis a muitas das nossas realidades quotidianas. Contudo, podemos concordar que se trata de um quase regresso às origens, quando o homem aliou o som primordial ao sentimento, e o exprimiu, criando, assim, um dos mais poderosos canais de comunicação entre o terreno e o divino. Falar de música sem falar do sagrado, sabemo-lo, é, historicamente, impossível, e mesmo os compositores menos próximos da religião admitem esta possibilidade.

Na mesma óptica deste quase regresso às origens, este compositor contemporâneo desenvolveu uma linguagem musical única, que envolvia o canto dos pássaros, as cores e sensações associadas, transformando quase todas as suas obras em obras de fé e para a fé. É também neste aspecto que o órgão se assume como o instrumento por excelência. O órgão é considerado o rei dos instrumentos, precisamente porque, por um lado, recupera os sons da criação, e, por outro, confere ressonância aos sentimentos humanos na sua plenitude, levando a música a transcender o humano e a conduzir-nos ao divino. Do pianíssimo ao fortíssimo, e pela sua imensa variedade sonora, o órgão é, de facto, um instrumento superior a todos os outros, e corporiza, de certa forma, e como o próprio Papa Bento XVI o referiu, «a imensidade e a magnificência de Deus».

No Salmo 150 podemos ler sobre como trompas, flautas, harpas e cítaras, cravos e tímpanos podem (e devem) contribuir, todos, para o louvor de Deus. O órgão contém, num só corpo, todos estes instrumentos. É um verdadeiro símbolo de unidade, na variedade de registos e tubos. Mas essa imensidão de sons e de componentes não poderá funcionar em plenitude se apenas um dos tubos estiver danificado ou desajustado. Inicialmente só poderemos dar-nos conta disto se o nosso ouvido for preparado. Mas se mais tubos, fruto do uso e da exposição a mudanças de temperatura, se desajustam ou desafinam, as dissonâncias e desafinações começam a tornar-se insuportáveis.

O órgão é, assim, uma imagem do que é (ou deve ser) a comunidade cristã. Na variedade dos nossos dons e carismas, pela fé que nos une, devemos procurar encontrar, como na variedade dos sons, o acorde perfeito, tocado pela mão experiente de Jesus Cristo, para onde e por quem caminhamos, irradiando, como num órgão, os sons da bondade, da misericórdia e do amor do mesmo Cristo pelos homens, que tem de ser, cada vez mais, também o nosso amor de uns pelos outros.

Aqui, na Igreja da Lapa, irão ter a oportunidade de ouvir e visitar um fantástico exemplar de organaria. O Grande Órgão tem 1337 tubos. O Positivo tem 928 tubos. O Expressivo tem 1306 tubos. As trombetas têm 232 tubos. O Pedal tem 504 tubos. No total, o Grande Órgão de Tubos da Igreja da Lapa tem, assim, 4307 tubos. Foram utilizados na sua construção, por Georg Jann, em 1995, tubos de metal (estanho e cobre) e madeira (pinho e pereira). O tubo maior é de madeira (10,12 metros) e o mais pequeno é de metal (9 milímetros). Tem um peso de cerca de 34 toneladas e assenta numa estrutura em ferro. O órgão tem 14,18 metros de altura, 10,20 metros de largura e 5,10 metros de profundidade.

É organista titular e mestre de capela neste espaço Filipe Veríssimo, licenciado em Música Sacra pela Escola das Artes da Universidade Católica Portuguesa (Porto). Teve o privilégio de contactar com organistas como Olivier Latry, Franz Lehrndorfer, e Franz Stoiber entre muitos outros. Em 1995 obteve o primeiro prémio no Concurso Nacional de Órgão. Gravou para a Numérica a obra integral para órgão de Brunhs e as 4 sonatas para órgão de Carlos Seixas. Desde a sua nomeação para titular deste espaço, tem desenvolvido, em estreita colaboração com o Cónego Dr. Ferreira dos Santos, um intenso trabalho como director de coro e orquestra, tendo preparado e dirigido algumas das mais importantes obras do repertório coral sinfónico. Neste contexto, Filipe Veríssimo apresentou, durante o ano de 2006, a integral das Missas e Sonatas de Igreja de W. A. Mozart, celebrando, desta forma, os 250 anos deste genial compositor. Colaborou com vários maestros de renome, destacando-se Robert Hix, Álvaro Cassuto, Jorge Matta e com Cesário Costa, entre outros.

Como organista, tem realizado várias “tournées” de concertos, a maior parte das vezes integrados em Festivais nacionais e internacionais de Órgão, em Portugal, Espanha, França, Alemanha e Bélgica. Tem-se dedicado à apresentação, em primeira audição, de algumas obras do P. Ferreira dos Santos.

Agora, é tempo de meditarmos sobre tudo isto em silêncio, deixando a música fluir e operar em nós estas mudanças, convidando-nos à consonância, ao equilíbrio do som, à afinação, à harmonia de um instrumento de que todos fazemos parte (a Igreja), cada qual com o seu som e função específicos, construindo, dia a dia, hora a hora, a mais perfeita obra musical.

Muito obrigado pelo vosso convite e pela vossa participação.

2 thoughts on “15 de Fevereiro de 2010 – A orientar um «workshop» musical, na Igreja da Lapa (Porto)

  1. Ivo Brandão, aqui estou mais uma vez , e lendo esta noticia acima sobre sua participação deste grandioso evento , e com voçê participando, fico muito orgulhoso, mas estou curioso ? pela sua explicação sobre o grandioso Órgão da Igreja da Lapa , fico pensando ! será que o nosso majestoso Órgão do convento é maior ou menor , podes explicar, se poderes fico grato, pois sou um grande admirador de suas participações, como foi quando tocastes após a reforma, como já lhe disse baixei a sua apresentação no meu computador, na época mostrada pelo Arouca Biz. Armando Pinho

  2. Da minha parte, um enorme obrigada pelo convite aceite! Com a certeza que tudo correu bem… Entretanto já ecos me chegaram de participantes que ficaram deliciados =)… Deus queira que mais disto se faça por cá! =)

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