José Sócrates preferiu falar em «fugas de informação» e da orquestração de uma «campanha negra» baseada em várias coisas, incluindo a «insídia» (de notar que insídia também pode significar traição), do que numa certa ligeireza na forma como as autoridades policiais inglesas estão a tratar o chamado «caso Freeport». De facto, é sempre mais fácil «bater» em quem é menos forte, e, neste caso, Sócrates «deu forte» na comunicação social. Tratando-se de um Primeiro-Ministro de um país, ainda que o país em causa seja Portugal, não parece que a Polícia inglesa tenha conduzido as investigações da forma que o caso e as personalidades em causa mereceriam. Contudo, José Sócrates disse, e bem, que todos os cidadãos devem estar ao dispor da Justiça, e ele ainda mais, por desempenhar funções da mais alta responsabilidade.
O que fica no ar, depois de mais esta declaração, é que, para o Primeiro-Ministro, a comunicação social está a dar ênfase a uma onda de calúnia que o visa, pessoal e políticamente. Não será tanto assim. Há factos, há documentos que o visam, e a isso não se pode escapar. Se há uma carta rogatória, em que a Polícia inglesa solicita a colaboração da Procuradoria Geral da República, de acordo com a Lei e dentro dos acordos vigentes, e se esse documento foi tornado público, então a comunicação social não fez mais do que o seu dever.
É curiosa esta trica, sobretudo vinda de um político extremamente preocupado com a comunicação. Esta declaração ao País, aliás como praticamente toda a comunicação política, partidária e/ou pública de Sócrates, foi aparentemente planeada ao detalhe. Os jornalistas foram previamente avisados de que deveria haver silêncio quando o Primeiro-Ministro entrasse na sala, evitando assim perdas de ritmo causadas pelas introduções dos jornalistas nos seus directos. Foram também alertados de que haveria lugar apenas a três perguntas (uma para cada estação televisiva). Depois, acabou por deixar espaço para mais duas questões, às quais respondeu lateralmente, ou seja, «deu o corpo às balas», numa atitude corajosa, mas não avisou que tinha um colete blindado.
O Primeiro-Ministro José Sócrates apareceu sozinho, num espaço amplo, com as câmaras colocadas a uma distância que o deixavam isolado, centrando em si, claramente, todas as atenções. Este homem, solitário, austero, obstinado pelo «bem da nação», do qual se conhece muito pouco do dia-a-dia da vida privada, faz-me lembrar alguém com características semelhantes. Será mesmo disto que a gente precisa?
Caro Ivo
Permita-me 2 comentários a 2 pontos:
1º Discordo que “…então a comunicação social não fez mais do que o seu dever” nesta questão. Nesta e noutras. Não sei se o papel da comunicação social é tornar públicos documentos (mais ou menos) confidenciais. Não sei se este e outros casos envolvendo figuras públicas não começa a ser julgado demasiado cedo, antes mesmo de chegar a tribunal, por causa da comunicação social. E não sei se certos meios de comunicação têm distância e imparcialidade suficientes qundo tratam estes casos.
Parece-me que procuram o que lhes permite viver (vendas e audiências), esqucendo-se, por vezes, de que todos são inocentes até prova em contrário.
2º Podia arriscar dizer quem lhe lembra este Primeiro-Ministro pela sua atitude e postura. Provavelmente lembro-me do mesmo. Mas isso seria mau demais. De facto, não é bem disto que precisamos. Porém, e não querendo ser mal interpretado, por vezes sentimos que há coisas de antigamente que fazem falta nos nossos dias. Principalmente a honestidade, frontalidade e verdade. Qualidades que nunca deveriam passar de moda. Mas infelizmente, e olhando agora exclusivamente para a classe política, parece que estas qualidades ficam em segundo plano quando comparadas com a propaganda, mentira e “ilusionismo”.