Um impulso, vindo não sei muito bem de onde, tem-me feito orientar as leituras no sentido de saber mais sobre Moçambique, e, consequência disso, é inevitável passar ao lado da sua descolonização e independência. Assim cheguei a ‘Descolonização e independência em Moçambique: factos e argumentos’, de Henrique Terreiro Galha. Não é um livro de história, mas também não é um livro de memórias. Não é um livro de política, mas ela também não está totalmente ausente. Não é um livro de fábulas ou poesia, mas antes feito de páginas com muita realidade dentro. Uma das faculdades que todos temos é a de analisar criticamente o que nos chega, e de concordarmos, discordarmos, ou, simplesmente, mantermo-nos indiferentes. Quando aqui se lê que a independência de Moçambique foi feita de forma precipitada, e que podia e devia ter sido concedida de forma diferente (porque, na realidade, muitos portugueses foram literal e cruelmente abandonados e sacrificados, apenas por viverem ou terem nascido em África), não há como não lançar os olhos na leitura.
A Frelimo conseguira, em Lusaca, no dia 7 de Setembro de 1974, a sua grande vitória, impensável para os seus dirigentes alguns meses atrás. Na verdade, a Frelimo ganhara em Portugal a guerra que não conseguira vencer em Moçambique. Com efeito, o “25 de Abril” fora assumido pelo novo poder, pelas instituições, pela comunicação social, por grande parte da população mal informada, como a bandeira do antifascismo e da liberdade. A Frelimo exibia a mesma bandeira. Deste modo, o novo regime português e a Frelimo identificavam um inimigo comum: o fascismo. As Forças Armadas portuguesas e as instituições em Moçambique eram, assim, resquícios do fascismo. Dito de outra maneira, a Revolução portuguesa proclamava a dicotomia esquerda/direita; a esquerda reclamava-se progressista e antifascista, e execrava a direita, com epítetos de conservadora, reaccionária e fascista. Muitos apoiantes do regime deposto, por oportunismo ou pusilanimidade, acomodaram-se rapidamente a essa esquerda. Todavia, a dicotomia não se aplicou aos portugueses vindos do Ultramar, humilhados e demonizados como fascistas, exploradores, colonialistas, reaccionários, apesar de espoliados em Moçambique dos seus bens e haveres, produto de uma vida de trabalho. Aos designados “retornados”, não era facultada opção: eram todos fascistas! Os portugueses brancos de Moçambique eram os maus. A Frelimo transfigurara-se de inimiga em aliada. Lamentavelmente, os portugueses brancos do Ultramar, mais do que as “cem famílias” da Metrópole, fugidas ou encarceradas, foram os “bodes expiatórios” da Revolução. Para as colónias, levaram trabalho, empreendedorismo, desenvolvimento, progresso. Nada extorquiram ou roubaram, até porque nada havia para roubar. Criaram riqueza, que, de uma maneira geral, investiram na terra adoptiva. Da qual tiveram de fugir, depois de espoliados, com a aprovação ou complacência dos novos poderes da Nação. Na verdade, os colonialistas viviam na Metrópole: banqueiros, industriais, grandes comerciantes, beneficiando de leis proteccionistas e do trabalho de brancos e pretos no Ultramar.
‘Descolonização e independência em Moçambique: factos e argumentos’ – (Henrique Terreiro Galha)