O meu Avô Elísio, de quem herdei muita coisa boa, através desse mistério fantástico a que chamamos genética, faria ontem 91 anos. Para além de tudo isso, herdei a sua coluna no jornal ‘Roda Viva’, e isso faz com que, pelo menos uma vez por mês, sinta o peso da responsabilidade. Por saber que nunca terei o seu estatuto, nunca terei os seus leitores, nunca terei a sua forma sábia de olhar as coisas e escrever sobre elas.
Se há coisa absolutamente inflexível é o tempo. Esse que passou, desde que fazia as viagens até Rossas debruçado nos bancos da frente do Datsun amarelo do avô Brandão, ou do Renault 9 bege (e depois cinzento). O avô Brandão foi homem de poucas falas até encontrarmos um território comum de partilha. E foi nessa altura que herdei dele o melhor que podia herdar. Uma forma justa, correcta, ponderada e assertiva de ver, pensar, fazer, viver. Se há coisa absolutamente inflexível é o tempo. Esse que passou, nesta semana de despedidas. Mas também de encontros e reencontros. Ouvi mais do que falei com o Tio Manel, que me reabriu os olhos para o Mia Couto. E eu fui procurar, e encontrei. «O adivinho alisava as pernas joelhudas, parecia tirar delas a força de adivinhar. Disse que havia duas maneiras de partir: uma era ir embora, outra era enlouquecer. Meu pai escolhera os dois caminhos, um pé na doideira de partir, outro na loucura de ficar. ‘Por isso eu digo: não é o destino que conta mas o caminho’.» Eu não acredito em partidas. Não acredito que homens grandes como o avô Brandão nos deixem. E como o respeito tanto como respeito as palavras, que ele alinhava largamente melhor do que eu, continuarei a partilhar com ele, a herdar dele esse legado indizível.
Arouca, 22 de Julho de 2019