3 de Fevereiro de 2021 – Muidumbe

O meu avô Elísio de Azevedo escreveu (pelo menos) dois livros. Um dia, deu-me os dois, mas disse-me que um deles era para devolver-lhe, depois de o ler. Era uma ‘História de Nampula’. Não resisti a ler o mais rapidamente que pude, coisa que não foi difícil, porque se há coisa que os textos do meu avô têm de bom é o facto de serem muito bem escritos. Devolvi-lhe a História, e fiquei com ‘Muidumbe’. Percebi que, se calhar, a ideia era enquadrar-me primeiro, antes de ler o que agora começo a ler. Mesmo tanto tempo depois. O livro começa com uma advertência, que diz assim: ‘Muidumbe era um posto administrativo do concelho de Mocimboa da Praia, distrito de Cabo Delgado, cuja capital era a cidade de Porto Amélia. Foi lá que, em 24 de Agosto de 1964, se registou a primeira vítima da guerra que ensanguentou Moçambique, antes da sua independência’. Eu nunca fui a Moçambique, senão ao viajar pelas histórias que os meu avós contavam (e a minha avó ainda conta), pelas fotografias que fui vendo, pelos objectos que parece que, às vezes, ganham vida. Mais recentemente, viajei uma ou outra vez a esse Moçambique ‘Terra Sonâmbula’, de Mia Couto. Mas nunca vi, com os meus olhos, nem senti o calor na minha pele, nem agarrei com as minhas mãos, essa terra que também sinto como minha, senão assim. Agora, numa altura em que Cabo Delgado volta a sentir as feridas profundas da guerra (da guerrilha), viajo até Muidumbe. Esse sítio onde foi disparado o primeiro tiro de uma guerra. E, já sabemos, numa guerra, todos perdem.

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