Há seis anos escrevi, aqui mesmo, este texto. Hoje, só lhe alteraria o tempo da cicatriz. De 70, para 76 anos. Tudo o resto, permanece. Porque há coisas perante as quais poucas palavras é sempre melhor.
Entrar num campo de concentração nazi é das experiências mais cortantes que se pode ter. Sachsenhausen, em Oranienburg, não muito longe de Berlim. O que começa por se entranhar, quase de forma agressiva, é o silêncio. Tudo, ali, é silêncio, mesmo ainda antes de chegarmos ao portão. «O trabalho liberta». Irónico. À entrada, como à saída. Quando milhares de judeus passaram estas grades, para serem literalmente dizimados, como quando libertaram os que sobreviveram e trouxeram o peso da experiência agarrado à pele. O trabalho liberta. A resistência. A justiça. Como a cicatriz, que renova a pele, mas não apaga o que a causou. Uma cicatriz com 70 anos. Para nos mostrar como foi e como não pode voltar a ser. No interior do hospital, junto aos fornos crematórios, a ouvir a explicação detalhada do que ali acontecia, passo a passo. No espaço ao ar livre, de onde se vê tudo, num triângulo de horizonte que parece imenso. O silêncio, sempre o silêncio. Que corta a pele como a bala metida na cabeça daquele que ia a caminho da câmara de gás. Que corta a carne como a coronhada naquele que, sem dizer nada, não obedecia ao que não sabia. A ferida, ainda aberta, ganha forma de tatuagem. Na forma de três palavras simples, aparentemente vazias. «O trabalho liberta». «Arbeit macht frei».