Nasceu, em Arouca, uma nova associação juvenil. Chama-se 4540 Jovem, e, diziam-me, pretendem focar a sua acção em dois vectores fundamentais: Ambiente e Cultura. Para a sessão de apresentação, vá-se lá saber porquê, resolveram convidar-me para dizer algumas coisas sobre Cultura, o que fez em que tivesse de pensar um pouco sobre o ponto de situação local e colocasse em perspectiva alguns pensamentos mais ou menos transversais sobre estes assuntos.
Em Arouca, a vida cultural acontece em três tipos de espaços. Desde logo, no espaço público, e não é preciso pensarmos muito para encontrarmos eventos decisivamente marcantes, como a Feira das Colheitas ou a Recriação Histórica, por exemplo, que nos mostram como a Cultura em espaço público reforça os laços sociais, contribui para a afirmação de uma identidade local e leva a uma maior apropriação e vivência desse mesmo espaço público. Em segundo lugar, em espaços adaptados. Espaços que, não tendo sido construídos com a finalidade de acolherem eventos, ou de serem espaços de acolhimento de exposições, ou até mesmo museus, se assumem como belíssimas soluções de recurso, apesar de desafiarem, constantemente, a criatividade e a capacidade logística para a produção de eventos. Aqui, o Mosteiro de Arouca é, sem dúvida, o melhor exemplo de como estes espaços adaptados são, por definição, lugares de património, mas sobretudo de identificação e de memória colectiva. Em terceiro lugar, em espaços próprios, e, neste caso, Arouca apenas pode contar com a Loja Interactiva de Turismo e pouco mais, ainda assim com bastantes limitações. Fará sentido reabrir a reflexão sobre a necessidade de um espaço próprio para a prática cultural regular, com as condições adequadas e uma programação sistemática? Em suma, fará sentido voltar a debater a construção de um auditório municipal? Talvez faça, mas terá, obrigatoriamente, de ser uma discussão que vá para além do edifício. Construir será, porventura, o mais fácil. Mas de nada valerá termos um edifício sem uma estrutura de programação, de gestão de espaços, de proximidade ao movimento associativo.
Fará, também, sentido reflectir-se seriamente sobre a municipalização da cultura. Muito tem sido falado sobre o assunto, frequentemente com a tónica colocada do lado das autarquias, quase como se passassem a ter de ser programadores culturais, comissões de festas ou meras agências de propaganda. A municipalização da cultura pode e deve ser mais do que isso. Pode e deve ser a devolução aos munícipes de parte substancial das decisões a tomar, sobretudo por uma questão de proximidade. Autarquia e movimentos locais, desde logo o movimento associativo, têm de estar em sintonia sobre a utilização dos espaços e a adequada programação da oferta.
O movimento associativo é o principal rosto da mobilização local, do trabalho quotidiano de proximidade, um fortíssimo traço identitário local, e deve servir de ponto de ligação com a produção regional/nacional/internacional, na concepção de projectos de colaboração originais, desenhados para o local. Já vamos disso tendo bons exemplos, como os ‘Sons da Praça’. Mas poderemos ir ainda mais longe, sobretudo potenciando projectos de âmbito mais pedagógico, e aqui ‘pedagógico’ no sentido mais transversal possível. Seria muito interessante que surgissem mais projectos culturais e de performance abertos à participação comunitária, que não carecessem de um compromisso demasiado longo no tempo, e que potenciassem o talento e a simples vontade de participar. Por outro lado, era fundamental que alguns eventos privilegiassem ainda mais a informação (e até mesmo a formação) do espectador sobre o máximo de conteúdo possível a fruir, por exemplo, numa performance.
É mais ou menos neste contexto, neste panorama, que surge a 4540 Jovem. Quando, há cerca de 20 anos, os teóricos das dinâmicas sociais vaticinavam o fim do movimento associativo, a desmobilização dos jovens de projectos comunitários, a deserção dos seus espaços de origem, esta nova associação parece contradizer, de forma contundente, tudo isto. E, num contexto de forte participação comunitária, em torno das associações locais, é-lhes lançado apenas um grande desafio: o de fazerem diferente.