Desde há quatro anos que ganhar eleições em Portugal já não é apenas isso. António Costa, beneficiando de um alinhamento astral que só deve acontecer de dois em dois milhões de anos, conseguiu, sem ganhar eleições, tornar-se Primeiro-Ministro de Portugal, com uma geringonça montada ao estilo Frankensteiniano, que, ninguém percebe totalmente como, funcionou. Começando pelas expectativas, e porque eram as piores possíveis, pela novidade da situação, nada parecia ser pior do que o que tínhamos. Depois, a direita, completamente ultrapassada pela direita, pela esquerda, pelo centro, por todos os lados possíveis e imaginários, esfrangalhou-se, eclipsou-se, explodiu, partiu para parte incerta. Por fim, o conta-peso do Presidente da República tem contribuído para que o Frankenstein se mantenha em andamento, equilibrado, funcional, pelo menos aparentemente. No entretanto, toda a gente fala na deterioração dos serviços públicos, na falta de investimento do Estado nos sectores que lhe cabem, no aumento da carga fiscal. E, devagar, devagarinho, vai-se falando mais alto. Por estas e por outras, vale a pena ler, com atenção, o livro de Inês Serra Lopes, sobre a ‘Geringonça’.
Sim, é verdade que temos uma carga fiscal muito pesada. É verdade que o investimento público partiu para parte incerta. É verdade que a política de cativações piorou substancialmente as condições em sectores tão importantes quanto a Saúde e a Educação. Mas a política é, acima de tudo, um jogo de expectativas. E, regressando a 2015, as expectativas francamente generalizadas relativamente à Geringonça eram muito negativas. (…)
O Presidente da República espera que a direita se organize, se refaça. Mas a direita aparentemente ainda não compreendeu o que se passa no país. Incapaz de perceber que os eleitores de hoje querem votar em quem defenda causas, a direita ocupa-se a tentar combater as causas da esquerda. Entretanto, desguarnece-se e, sem saber se deve buscar os votos do centro-esquerda, se os do centro-direita, não procura bandeiras próprias, não se renova. (…)
Extraordinário, ou talvez não, é que António Costa apareceu aos portugueses como se tivesse sido surpreendido pela degradação da prestação de serviços públicos. Como se a responsabilidade pela qualidade, e pela falta de qualidade, dos serviços prestados pelo Estado não fosse responsabilidade de quem o geriu nos últimos quatro anos: exactamente o PS. Como se o Primeiro-Ministro não soubesse ou não devesse saber, logo ao fim do primeiro ou do segundo ano de Governo, que os cortes sucessivos (e também a falta de “importância”, de peso específico do papel dos serviços públicos nas políticas do Executivo) teriam como resultado obrigatório a degradação e a insuficiência desses serviços.
Inês Serra Lopes – ‘A Geringonça’