Amanhã, voltam a fazer parte dos itinerários de todos os dias alguns dos caminhos descritos por Agustina na sua narrativa sobre Fanny Owen. A trama envolve Camilo Castelo Branco, e é um retrato desses tempos em que o romantismo parecia estar em construção dentro de cada homem, em que tudo parecia precisar de ser exagerado para ser real, em que José Augusto estacionava o cavalo dentro do quarto de Camilo. A casa de Fanny Owen é mesmo ali ao lado, e a ruína deixa ainda espaço para imaginar o jardim onde se passeava com os amigos que disputavam a sua atenção e o seu amor, junto à estrada que cruzariam para visitarem o Senhor da Pedra. A Villa Alice continua a interrogar-nos sobre o tempo, sobre o passar do tempo, sobre o que fazer com o tempo. E de como esse tempo, esse passar do tempo, esse fazer do tempo garrote dos sentimentos, facilmente permite que a tragédia encontre, com relativa facilidade, os seus ingredientes.
Os dois amigos tinham suspendido os temas abissais e conversavam chãmente de coisas sem muita substância nem obrigação. Uma alegria obscura e simples tomava-lhes o coração; e, desse modo, encontraram um fervor quase hiperbólico que os levou a entrar na capela e a rezar. Teriam subido ao templo de Corinto, se lá estivessem, e consagrado um pensamento extasiado àquele lugar pagão cuja virtude lhes parecia familiar – a de lhes organizar as fantasias em forma de ortodoxia. Vagueando pelos caminhos, entraram pela demarcação de Vilar do Paraíso, lugar de veigas e pinhais, e onde havia um solar arruinado com portadas de pau. As ventanias tinham feito voar os caixilhos. Ao pé desse casão, com ar de abadia de frades expulsos, estava a igreja, mais pequena do que uma capela de aparições. Uma árvore cobria-lhe de sombra a torre. Era uma hora em que a paz do domingo parece saudar os mortos nos cemitérios.
‘Fanny Owen’ – Agustina Bessa Luís