É sábado de manhã, e procuro o jornal. Ao lado, uma senhora desenha, calmamente, com perfeição, algumas letras alinhadas, numa folha de papel com linhas. Na aparentemente imensa folha A4 falta apenas um pequeno espaço, para o qual procurava a palavra certa. Tinha acabado de encontrá-la. Estava feliz. «Adoro escrever, só tenho pena que a saúde não me deixe escrever mais». E de forma injusta, cruel até, penso «que bom seria se fosse a saúde a impedir-me de escrever mais».
Impede-me de escrever mais o não querer falar do que não sei. O não emitir opiniões infundadas. O deixar espaço e tempo para quem efectivamente «sabe do artigo». Não a saúde. Porque, quando nos aventuramos a escrever para estes espaços, é como se, metaforicamente, disparássemos uma bala. E uma bala, depois de disparada, não pode voltar para dentro da arma. E o tiro dificilmente pode ser corrigido.
É difícil, portanto, fazer isto como deve ser. Porque não basta ter um ponto de vista. Ponto de vista, todos temos, desde que olhemos para as coisas. É preciso olhar os contextos, para o passado, para o presente e para o futuro. É preciso olhar para os impactos do que dizemos. E, depois, juntar as palavras certas. Claras. Límpidas. Porque não temos grandes oportunidades de clarificar o que ficar por dizer.
Penso rapidamente em tudo isto enquanto espero pelo jornal, esse onde poderei ler quem vê as coisas de uma perspectiva maior. Ou mais profunda. Por momentos, hesito entre aquela folha A4 manuscrita e a crónica do padre Tolentino de Mendonça na revista do Expresso. Mas não me atrevo a pedir àquela escritora compulsiva que me deixe lê-la tal como é. Penso, antes, que é fim-de-semana. Que posso, como um dos «Fernandos Pessoas», estar pensando em nada. E, por momentos, sentir que vale a pena. Vale a pena não pensar em nada. Ou, pensando, deixar tudo escrito à mão, numa folha A4 escondida, mesmo com espaços por preencher.