O senhor Mehldau entrou calmamente e, do alto do seu porte, começou a dar largas à música. Não havia mais ninguém, só o senhor Mehldau e o piano. Como se fossem uma única pessoa. E o senhor Mehldau parecia tocar com duas mãos, quando tocava apenas com uma. Foi viajando, viajando, pelas sonoridades que iam surgindo. Às vezes parecia um Chopin dos tempos modernos, outras vezes era ele próprio. Outras, ainda, uma reencarnação dos pianistas dos filmes mudos, aqueles que tocavam músicas muito rápidas, e geralmente castiças. O senhor Mehldau encheu a sala de um som quente, forte, intenso, mágico. Tratou, rapidamente, de dar um concerto sublime. Terminou com «And I love her» e «Blackbird», dos Beatles. E foi um bom final. Depois voltou a tocar aquele emaranhado bom de sons, com que começou. Como se voltasse ao princípio. O senhor Mehldau é um senhor. Gostava de ser, assim mais ou menos, como ele.
Foto: Ana Catarina Costa