“Corro. Sem destino. Pelas ruas de cidades abandonadas. Esmago na mão um pedaço de vidro cortante de uma montra despida, de um prédio em ruínas, de um céu cinzento escuro de ausência. Para trás, ficaram sonhos, concretizados ou esquecidos. Fragmentos de vidas desejadas, de chãos nocturnos, iluminados por estrelas cadentes, onde nos deitámos de costas. Agora, tudo são espaços ocupados por construções desabitadas. Formas difusas. Gentes apressadas, sem vontade de olharem para o lado. Mendigos que condizem com as cidades que os fabricam. Aqui não há verde. Nem céu azul. Nem montanhas de onde se possam ver outras montanhas. Nem mares que se possam descobrir. Apenas a cela de nós próprios, refugiados de um sentido para a vida em que não acreditamos. E eu corro. Sem destino. Pelas ruas que vão surgindo, umas após outras. Em fuga não sei de quê. Corro a cada palavra alinhada, como estilhaços projectados para um futuro incerto. E este vento que greta a pele, que deixa passar pelas frinchas a dor que trago dentro. A dor de incertezas projectadas em fotografias e textos, deixados numa mesa abandonada nas entranhas do pensar. Andamos, andamos, andamos, e tudo se vai esvaindo de dentro de nós, como se o corpo se fosse deixando abandonar, certo de que nada, na realidade, lhe foi pertencendo. Corro. Sem destino. Sem saber que cada pegada pode ser mais um passo para o esquecimento. À espera de chegar a um espaço desabitado. Rude. Inóspito. Rochoso. Pontuado pelas cores de uma natureza viva. Ora amanhece, ora anoitece, e a angústia não me abandona. Penso em como é simples perder o medo de escrever a morte. Porque ela acontece a cada segundo. Ronda. Pronta a fazer-nos pensar que perdemos tempo demais, quando, na realidade, apenas andámos distraídos. Corro. Sem destino. Levado por um impulso desconhecido. Pelas torrentes de palavras que surgem, como fragmentos de sinfonias inacabadas. Obras primas guardadas em cintos de castidade bordados a incerteza. Corro. Sem destino. Na ânsia de libertar este corpo interior, que os limites da pele apenas sustêm. Corro. Sem destino. Até uma despedida por preparar. Sem querer ficar. Lúcido. Com princípio, meio e fim. Ávido de não ser esquecido. Desejoso de ser lembrado por qualquer coisa. Qualquer coisa. Corro. Sem destino. Até recuperar esta vida que, um dia, fez vibrar as cordas da emoção. Longe das catástrofes de um mundo que verei apenas à distância.”
Hoje terminou um campeonato de escrita criativa em que participei. Em 153 concorrentes, fiquei classificado em 22.º lugar. Escrevi 10 textos. Este, foi um dos que mais gostei.
Parabéns!
“A beleza nunca é clara”
Bravo*
Felicitaciones!
http://www.dglb.pt/sites/DGLB/Portugues/premios/Paginas/PremiosLiterarios.aspx
Encontrei hoje, por acaso, o teu blog.
Já não me lembrava de ficar “agarrada” às palavras como acabo de ficar…
Obrigada por me “cativares” desta forma…