Estimado Pai Natal:
Não imaginas, por certo, a incredulidade com que tive de aceitar a evidência de que não existes. Se, por um lado, foi bom sentir que já não era bem uma criança, por não acreditar em algo que não existe, por outro ficou uma melancolia pequenina, mas aguda, por ter de deixar essa magia para trás. Talvez o mal das coisas todas que por aí andam seja esse. Temos pressa de tornar tudo explicável. Não temos tempo de surpreender. Demora demasiado tempo atendermos às coisas pequenas, mas preciosas. É lamechas. Essa magia, essa fantasia, essa ausência de limites da imaginação já não estão na moda, pelo que me admira o facto de ainda conseguires, no meio da tua inexistência, estares tão presente.
O meu pedido, este ano, é simples. Não quero o Natal. Não quero esse Natal das árvores e das luzes que acendem e apagam. Não quero esse Natal das músicas que toda a gente canta. Não quero esse Natal de compras, só porque sim. Não quero ter prendas. Não quero também aquelas coisas bonitas, como a paz no mundo e a harmonia entre os homens, porque sabemos que não adianta pedir.
No fundo, mesmo sem querer, somos todos um pouco hipócritas, por deixarmos passar trezentos e sessenta e tal dias para sermos, de facto, humanos. Andamos um ano inteiro armados em racionais. Preocupados com o fio do tempo. Com o formato redondo do nosso umbigo. Com a vontade de andarmos em ombros, suportados pelos que dizem que nos admiram. Ou com a miséria das nossas misérias, para que seja maior que a miséria do vizinho. Mas, de repente, é Natal outra vez, e parece que o mundo é diferente. Nós somos diferentes. Até respiramos um ar diferente.
Por isso, Pai Natal, quer existas ou não, apenas te peço que deixes o meu sapato vazio. Não tentes consertar nada no mundo, porque nós não vamos deixar. Concretiza os desejos de toda a gente. Sacia o consumismo dos consumistas. Recarrega as baterias dos que têm sucesso. Ampara, protege e ajuda os que precisam de alento. Faz tudo o que quiseres, mas não nesse Natal de que falam por aí.
O que eu verdadeiramente queria, este Natal, era que ele fosse verdadeiro. Que fosse um exemplo para todos os dias. Que, como nestes dias, me lembrasse sempre dos que precisam, dos que lutam, dos que são vencidos, dos que erram, dos que têm a coragem de pedir ajuda. O que eu verdadeiramente queria, este Natal, era que cada um de nós conseguisse entrar dentro de si mesmo. Comprimir-se até não poder mais, ocupando apenas o espacinho de uma semente. A semente de um homem novo. Esse homem novo que deixámos esquecido no presépio, da mesma forma que desviámos o olhar há mais de dois mil anos.
O resto da carta, escrevo para o ano. Até breve…