Por favor, não me leia
Se caiu no erro de começar a passar os olhos por estas linhas, peço-lhe, encarecidamente, o favor de desistir enquanto é tempo. Leia um livro, leia outras crónicas, mesmo que não sejam deste jornal. Isso mesmo, leia outros cronistas, que esses de certeza valerão mais a pena do que eu. Ou ainda melhor, veja a Casa dos Segredos, ou uma novela, ou o Preço Certo, ou qualquer coisa edificante. Não me leia, por favor.
O que é facto, é que eu não tenho nada de especial para lhe dizer. Sinceramente, não percebo por que razão me convidaram para fazer isto. Tantos cronistas bons na nossa praça, tanta gente com coisas importantes para dizer e escrever, e eu aqui a fazer perder tempo.
Eu não sei de notícia nenhuma, bombástica, em primeira-mão, que possa interessar-lhe. Não estou envolvido em nenhuma teoria da conspiração que possa adensar um mistério interessante. Não sou bom comentador do panorama político local. Não paro na rua, nem muito menos o trânsito, para dar autógrafos. Não sou importante. Não tenho o poder de «meter cunhas». Por isso, não tenho nada a dizer que lhe possa interessar.
Falaram-me em 2500 caracteres. Duas mil e quinhentas letras que vou ter de alinhar para preencher este espaço. Começo a invejar a coragem, o talento, a sabedoria dos cronistas, que conseguem ter matéria às vezes para mais do que uma crónica sobre o mesmo assunto. E eu, nada. Não me leia, por favor. Há tanta coisa mais importante que tem para fazer. A menos que tenha por hábito fazer leitura de casa de banho. Aí, talvez se justifique. Ou nem assim.
Quando se vê a cara de alguém ao lado de uma crónica, a primeira reacção generalizada é a de «Que raio terá este de tão importante para dizer? Quem é que este pensa que é? Que mérito é que lhe reconhecem para dar opiniões sobre o que quer que seja?». E é justo que pensem assim. Por isso, não leia isto. Não vale a pena.
Toda a gente pensa para a frente. Porque o tempo urge. Porque há sempre muita coisa a acontecer e por acontecer. Para o futuro. Para crescer. Para ascender. Pois eu prefiro pensar na urgência de instalarmos um relógio igual ao que Caroll inventou para Benjamin Button. Um relógio que ande para trás. Que nos leve de volta ao início. Ao princípio. E no princípio, era o Verbo. A Palavra. Essa, essas que eu não domino. Outros sim. Leia outros. Por favor, não me leia.
Estes textos serão escritos sempre de acordo com o que se convencionou chamar «antiga ortografia».