Cada vez menos sinto medo da folha em branco. Seja por não encontrar melhores palavras do que outros, seja por não alinhar os melhores sons, que valham a pena escrever. Como ter esse receio, quando tanta gente tem tanta coisa mais importante, mais bela, mais decisiva a dizer? Como querer contrariar esse silêncio, quando tanta gente tem maior “inspiração”, melodias ou improvisos para partilhar? O carteiro de Pablo Neruda cansou-se de ser apenas um homem, e procurou ser poeta, como se a poesia de entregar cartas e a simplicidade de um amor impossível não lhe bastassem. Trocou a vida por um sonho. É lícito sonhar assim. Quando se tem, de facto, algo a dizer, algo a acrescentar, algo que valha a pena deixar claro. Mas talvez possa haver também poesia suficiente na folha em branco. No silêncio. No nada. Muito melhor do que muito do que se exterioriza.