O discurso de António Barreto contrastou drasticamente com as imagens estivais de um fim-de-semana prolongado. O presidente da Comissão Organizadora das Comemorações do 10 de Junho, Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, como é seu hábito, traçou um diagnóstico a régua e esquadro de um Portugal a duas velocidades. Se, por um lado, nada é novo, porque esta não é a primeira crise que vivemos, por outro, tudo é novo, porque há a globalização, o euro, uma situação económica e social que apanhou Portugal de surpresa. Os políticos não deram o exemplo que deviam, e acabaram, ao mesmo tempo, por deixar o Estado com um peso desmesurado, e uma fragilidade tremenda. Urge começar por algum lado, e esse lado talvez deva ser a Constutuição, verdadeiro Bilhete de Identidade de um país. Entretanto, os mesmos portugueses que lamentam a crise e se queixam da situação, respondem ao repórter da televisão pública que a água do mar está agradável. Num feriado que celebra o país, as comunidades que deixou pelo mundo e o seu maior poeta.
«Há momentos, na história de um país, em que se exige uma especial relação política e afectiva entre o povo e os seus dirigentes. Em que é indispensável uma particular sintonia entre os cidadãos e os seus governantes. Em que é fundamental que haja um entendimento de princípio entre trabalhadores e patrões. Sem esta comunidade de cooperação e sem esta consciência do interesse comum nada é possível, nem sequer a liberdade».
«É muito difícil, ao mesmo tempo, sanear as contas públicas, investir na economia e salvaguardar o Estado de protecção social. É quase impossível. Mas é possível. É muito difícil, em momentos de penúria, acudir à prioridade nacional, a reorganização da Justiça, e fazer com que os Juízes julguem prontamente, com independência, mas em obediência ao povo soberano e no respeito pelos cidadãos. É difícil. Mas é possível».
«Como disse um grande jurista, “cada geração tem o direito de rever a Constituição”. As jovens gerações têm esse direito. Não é verdade que tudo dependa da Constituição. Nem que a sua revisão seja solução para a maior parte das nossas dificuldades. Mas a adequação, à sociedade presente, desta Constituição anacrónica, barroca e excessivamente programática afigura-se indispensável. Se tantos a invocam, se tantos a ela se referem, se tantos dela se queixam, é porque realmente está desajustada e corre o risco de ser factor de afastamento e de divisão. Ou então é letra morta, triste consolação. Uma nova Constituição, ou uma Constituição renovada, implica um novo sistema eleitoral, com o qual se estabeleçam condições de confiança, de lealdade e de responsabilidade, hoje pouco frequentes na nossa vida política. Uma nova Constituição implica um reexame das relações entre os grandes órgãos de soberania, actualmente de muito confusa configuração. Uma Constituição renovada permitirá pôr termo à permanente ameaça de governos minoritários e de Parlamentos instáveis. Uma Constituição renovada será ainda, finalmente, o ponto de partida para uma profunda reforma da Justiça portuguesa, que é actualmente uma das fontes de perigos maiores para a democracia. A liberdade necessita de Justiça, tanto quanto de eleições».
(Excertos do discurso de hoje de António Barreto, presidente da Comissão Organizadora das Comemorações do 10 de Junho)
Um discurso que merece ser lido na íntegra: http://www.publico.pt/Pol%C3%ADtica/discurso-de-antonio-barreto-presidente-da-comissao-organizadora-das-comemoracoes-do-dia-de-portugal-de-camoes-e-das-comunidades-portuguesas_1498333.
Felizmente para nós, e infelizmente para alguns dos nossos, este senhor consegue (sempre) fazer um retrato fidigno da situação de um país que à muito tempo não vê seriedade e honestidade em quem o governa. Felizmente há quem consiga ler as entrelinhas!