Os «políticos profissionais» estavam à espera que o Presidente da República terminasse o discurso para emitirem opinião. Para uns foi demasiado sectário, para outros fez um diagnóstico do país real. O que é certo, é que as palavras de Cavaco Silva não deixaram ninguém indiferente. O seu discurso de tomada de posse, proferido hoje no Parlamento, não poupa, sobretudo, o Governo. José Sócrates pode contar com a «magistratura activa», vinda de Belém. Mas o discurso não esquece que os numeros nao mentem. Portugal perdeu uma década no caminho da integração europeia, correndo sempre «ao lado» do crescimento europeu. A crise económica é já uma crise social. Os cargos públicos não podem depender das filiações partidárias. O papel dos jovens é essencial para a construção do futuro. E, como se não bastasse, na hora dos cumprimentos, o Primeiro-Ministro de Portugal, homem acima de qualquer protocolo, preferiu ficar a responder aos jornalistas do que cumprir as suas funções de Estado, e cumprimentar o Presidente recém empossado. O discurso de Cavaco Silva vale pelo seu todo, e é difícil «retalhá-lo». Vale a pena ler aqui.
«Ao Governo e ao Senhor Primeiro-Ministro reitero o compromisso de cooperação que há cinco anos assumi perante os Portugueses. Pela minha parte, pode contar o Governo com uma magistratura activa e firmemente empenhada na salvaguarda dos superiores interesses nacionais».
«Os indicadores conhecidos são claros. Portugal vive uma situação de emergência económica e financeira, que é já, também, uma situação de emergência social, como tem sido amplamente reconhecido».
«Nos últimos dez anos, a economia portuguesa cresceu a uma taxa média anual de apenas 0,7%, afastando-se dos nossos parceiros da União Europeia. Esta divergência foi ainda mais evidente no caso do Rendimento Nacional Bruto, que constitui uma medida aproximada do rendimento efectivamente retido pelos Portugueses».
«A margem de manobra do Estado português para acudir às necessidades de crescimento da economia e para combater os problemas de natureza social encontra-se severamente limitada, como o provam os níveis da despesa pública, da dívida pública e do endividamento do Sector Empresarial do Estado, a que acrescem os encargos futuros com as parcerias público-privadas».
«Portugal está hoje submetido a uma tenaz orçamental e financeira – o orçamento apertando do lado da procura e o crédito apertando do lado da oferta. Este quadro afectará negativamente o crescimento económico e a qualidade de vida das famílias, a não ser que os responsáveis políticos, económicos e financeiros correspondam, com firmeza e sem ambiguidades, à obrigação que têm de libertar o país desta situação».
«Em particular, é fundamental que todas as decisões do Estado sejam devida e atempadamente avaliadas, em termos da sua eficiência económica e social, do seu impacto nas empresas e na competitividade da economia, e das suas consequências financeiras presentes e futuras. Não podemos correr o risco de prosseguir políticas públicas baseadas no instinto ou em mero voluntarismo».
«A expectativa legítima dos Portugueses é a de que todas as políticas públicas e decisões de investimento tenham em conta o seu impacto no mercado laboral, privilegiando iniciativas que criem emprego ou que permitam a defesa dos postos de trabalho».
«Não podemos privilegiar grandes investimentos que não temos condições de financiar, que não contribuem para o crescimento da produtividade e que têm um efeito temporário e residual na criação de emprego. Não se trata de abandonar os nossos sonhos e ambições. Trata-se de sermos realistas».
«Necessitamos de recentrar a nossa agenda de prioridades, colocando de novo as pessoas no fulcro das preocupações colectivas. Muitos dos nossos agentes políticos não conhecem o país real, só conhecem um país virtual e mediático. Precisamos de uma política humana, orientada para as pessoas concretas, para famílias inteiras que enfrentam privações absolutamente inadmissíveis num país europeu do século XXI. Precisamos de um combate firme às desigualdades e à pobreza que corroem a nossa unidade como povo. Há limites para os sacrifícios que se podem exigir ao comum dos cidadãos».
«O exercício de funções públicas deve ser prestigiado pelos melhores, o que exige que as nomeações para os cargos dirigentes da Administração sejam pautadas exclusivamente por critérios de mérito e não pela filiação partidária dos nomeados ou pelas suas simpatias políticas».
«Agora, no momento em que tomo posse como Presidente da República, faço um vibrante apelo aos jovens de Portugal: ajudem o vosso País!»
(Cavaco Silva, Presidente da Republica, no seu discurso de posse)