7 de Dezembro de 2009 – Boa noite, Ary

ary-dos-santosJosé Carlos Ary dos Santos nasceu a 7 de Dezembro de 1936. É um dos maiores poetas portugueses, tendo muitas das suas palavras imortalizadas em canções. «Os Putos», ou a «Desfolhada» são só alguns exemplos. Mas há muito mais do que «as palavras das cantigas». Há um poeta que nunca se deixou castrar, que nunca escondeu a sua «costela» comunista, que nunca renunciou à sua vontade de escrever, e escrever bem. Conhecer a obra de Ary dos Santos é conhecer uma parte de um Portugal diferente, de uma visão nova da poesia, de uma vontade de, como dizia Pedro Homem de Melo, fazer a poesia «subir ao povo». Há poemas de Ary que, de tanta intensidade, quase nos tiram a respiração. Era assim, Ary, como quando dizia a sua poesia em público. Intenso, vibrante, incisivo. É assim, Ary. Boa noite.

Estrela da Tarde

Era a tarde mais longa de todas as tardes que me acontecia
Eu esperava por ti, tu não vinhas, tardavas e eu entardecia
Era tarde, tão tarde, que a boca, tardando-lhe o beijo, mordia
Quando à boca da noite surgiste na tarde tal rosa tardia

Quando nós nos olhámos tardámos no beijo que a boca pedia
E na tarde ficámos unidos ardendo na luz que morria
Em nós dois nessa tarde em que tanto tardaste o sol amanhecia
Era tarde de mais para haver outra noite, para haver outro dia

Meu amor, meu amor
Minha estrela da tarde
Que o luar te amanheça e o meu corpo te guarde
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza
Se tu és a alegria ou se és a tristeza
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza

Foi a noite mais bela de todas as noites que me adormeceram
Dos nocturnos silêncios que à noite de aromas e beijos se encheram
Foi a noite em que os nossos dois corpos cansados não adormeceram
E da estrada mais linda da noite uma festa de fogo fizeram

Foram noites e noites que numa só noite nos aconteceram
Era o dia da noite de todas as noites que nos precederam
Era a noite mais clara daqueles que à noite amando se deram
E entre os braços da noite de tanto se amarem, vivendo morreram

Eu não sei, meu amor, se o que digo é ternura, se é riso, se é pranto
É por ti que adormeço e acordo e acordado recordo no canto
Essa tarde em que tarde surgiste dum triste e profundo recanto
Essa noite em que cedo nasceste despida de mágoa e de espanto

Meu amor, nunca é tarde nem cedo para quem se quer tanto!

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